RACISMO PURITANO? O QUE THOMAS WOODS, UM APOLOGISTA CATÓLICO, NOS DIZ
Afinal, o racismo é uma invenção protestante? Embora esta
seja uma indagação estúpida, temerária e vazia de sentido para a grande maioria das
pessoas, ela vem se tornando uma narrativa recorrente em nichos conservadores. O ressurgimento do
tradicionalismo ibérico, seja na Europa ou na América Latina, fez questão de
violar o sepulcro das pseudociências tradicionalistas nos séculos XIX
e XX, de forma a atacar direta ou indiretamente a religião protestante com teorias defuntas.
Recentemente, um discípulo do “Conde” veio num grupo secular de
História bradar alegações extraordinárias de que o racismo “só seria possível
dentro de uma matriz de pensamento protestante” e de que os índios "foram
salvos pelos jesuítas do extermínio puritano”. Estas alegações, é claro, não foram inventadas por ele. Na verdade, ela constituem apenas um aspecto de uma extensa cadeia
de narrativas e polemicismos católicos regurgitados na última meia década. Isto
não é mais um caso episódico, é um fenômeno de viés antiprotestante. O puritano, identificado aqui como o arquétipo máximo do Protestantismo, constitui o antagonista ideal destes tratados difamatórios.
DOS PURITANOS E O RACISMO
Thomas E. Woods é um Ph.D. em História e Apologista Católico que, apesar de ser mais conhecido pelo seu livro católico, também possui um livro famoso sobre mitos de História Americana. Eu, particularmente, tenho um leve desgosto pelos trabalhos apologéticos do Woods. Apesar de promoverem insights importantes sobre alguns mitos medievais para um leitor extremamente leigo – que na verdade apenas repete o que qualquer livro acadêmico já faz, Woods tem um compromisso claro com a promoção da causa católica, por vezes beirando ao antiprotestantismo. Por conta disto, ele aqui não só serve aqui pela posição de historiador, mas também pela posição de apologista católico apaixonado que, dentre todos, é o que possui menos motivos para proteger os puritanos de algozes da sua própria religião. Segue o enxerto:
Thomas E. Woods é um Ph.D. em História e Apologista Católico que, apesar de ser mais conhecido pelo seu livro católico, também possui um livro famoso sobre mitos de História Americana. Eu, particularmente, tenho um leve desgosto pelos trabalhos apologéticos do Woods. Apesar de promoverem insights importantes sobre alguns mitos medievais para um leitor extremamente leigo – que na verdade apenas repete o que qualquer livro acadêmico já faz, Woods tem um compromisso claro com a promoção da causa católica, por vezes beirando ao antiprotestantismo. Por conta disto, ele aqui não só serve aqui pela posição de historiador, mas também pela posição de apologista católico apaixonado que, dentre todos, é o que possui menos motivos para proteger os puritanos de algozes da sua própria religião. Segue o enxerto:
“MITO POLITICAMENTE CORRETO: OS PURITANOS ERAM RACISTAS
Os colonos também tiveram que elaborar algum tipo de
política em relação aos índios americanos que encontraram, e alguns foram mais
bem-sucedidos e mais justos que outros. Poucos negariam que os
índios americanos tenham sido vítimas de injustiça e maus tratos ao longo da
história americana. Mas essas injustiças levaram muitos americanos a
acreditar que os colonos não tinham mais que desprezo pelo índio americano e
procuravam apenas expulsá-lo ou "roubar" sua terra. Mas, na sua
segunda década, o Harvard College recebeu estudantes indígenas. Os colonos
poderiam e até recebiam a pena de morte por assassinar índios. Índios
conversos ao cristianismo que viviam nas "praying cities" da Nova Inglaterra
desfrutavam de considerável autonomia.
Hoje, o desejo dos puritanos de conquistar os nativos
para o cristianismo é frequentemente recebido com impaciência e sorrisos
nervosos. Mas considere o maior dos missionários puritanos, John Eliot, que viveu
de 1604 a 1690. O que Eliot fez para espalhar a fé cristã entre os índios quase
desafia a crença. Os algonquins não possuíam linguagem escrita. Por isso, Eliot
aprendeu a língua falada dos algonquins de Massachusetts, desenvolveu uma
versão escrita da língua para eles e depois traduziu a Bíblia para essa língua.
Se Eliot e os puritanos simplesmente quisessem oprimir os nativos, eles
poderiam ter pensado em uma maneira mais fácil.
Não é verdade que os puritanos possuíam um senso de superioridade racial sobre
os índios. Eles certamente se consideravam culturalmente superiores, embora não
esteja claro o que mais eles deveriam pensar ao encontrarem pessoas que não
conheciam a roda, não possuíam linguagem escrita e estavam, de fato, vivendo na
Idade da Pedra. Mas a raça não entrou em questão. Roger Williams, que fundou
Providence, Rhode Island, acreditava que os índios nasceram brancos, uma visão
geralmente compartilhada pelos puritanos; dizia-se que os efeitos das manchas e
do sol escureciam a pele.
Estudiosos
nas últimas décadas suavizaram seus julgamentos anteriores sobre a dureza do
tratamento puritano aos nativos. Mas a pesquisa de especialistas geralmente
leva muito tempo para chegar nos trabalhos escritos por generalistas. Por
exemplo, algumas visões da história europeia ainda retratam a Idade Média como
retrógrada e barbárica, ao passo que os estudiosos medievalistas conhecem bem as
contribuições das Idade Média para a civilização europeia, particularmente nas
origens da ciência moderna, no desenvolvimento do sistema universitário e na
fecundidade da vida intelectual medieval. O mesmo é verdadeiro para a pesquisa
acadêmica sobre os puritanos e os índios: os generalistas continuam a falar mal
dos puritanos, enquanto os especialistas geralmente concluem que a conduta dos
puritanos é consideravelmente melhor do que as pessoas foram levadas a crer.
Isso também é verdade em estudos das guerras indigeno-puritanas. "Nos
olhos do generalistas", explica o historiador Alden Vaughan, "os
puritanos provocaram cada atrito e pretendiam - e de fato, às vezes,
conseguiam, realizar genocídio. Especialistas, sejam de história militar ou de
tópicos relacionados, viam as causas das guerras indigeno-inglesas como menos
simples, menos unilaterais e os resultados, embora terrivelmente letais, nunca
genocidas".
NÃO, OS
PURITANOS NÃO ROUBARAM TERRAS INDÍGENAS
Os
puritanos são amplamente reconhecidos por terem roubado terra indígena,
defraudado os índios ou cometido genocídio contra eles nas guerras pequots.
Este mito, crido até hoje pela grande maioria dos americanos, é evidentemente
impossível de superar apesar de todo o estudo histórico que o refuta. Os
pequots, que nunca foram uma grande tribo para começo de conversa, continuaram
a ser listados como um grupo distinto que vivia em Connecticut durante a década
de 1960. Além disso, enquanto o rei emitia subsídios de terra coloniais, o
consenso puritano, evidente em suas palavras e suas ações, era que a Carta do
Rei conferia direitos políticos e não direitos de
propriedade sobre a terra, que os colonos puritanos obtinham através de
cessões voluntárias dos índios.
Os governos coloniais realmente puniam indivíduos que
fizeram aquisições não-autorizadas de terras indígenas. Para o assentamento
inicial, Roger Williams obteve um título dos índios antes de se estabelecer em
Providence; Plymouth obteve título após o assentamento. Mesmo este título seria
irrelevante, uma vez que o consentimento indígena para o assentamento de
Plymouth havia sido imediato. Connecticut e New Haven seguiram o padrão
estabelecido por Williams em Providence. O assentamento inglês no Vale de Connecticut
foi positivamente encorajado por algumas tribos nos anos 1630,
que esperavam que o inglês pudesse servir como um obstáculo útil contra as
ambições dos Pequots, uma tribo odiada que havia começado a forçar conquista
nesta área. Uma vez assentados, estas colônias da Nova Inglaterra procederam em
comprar quaisquer terras adicionais que eles desejassem.
Cada colônia negociava com os índios, que estavam muito
felizes em vender terras - uma mercadoria de que desfrutavam em grande
abundância, principalmente considerando a escassez da população norte-americana
da época. "Em troca", escreve o estudioso jurídico James Warren
Springer, "o homem branco ofereceu facas de metal, enxadas e outros
instrumentos de raro valor para uma sociedade neolítica”; além disso, o índio
poderia pedir tecidos, roupas, jóias e outros luxos para alegrar sua vida. O
nativo costumava tomar a iniciativa nessas transações, pois cobiçava os bens do
homem branco tão intensamente quanto o colono ansiava por mais terras".
Os puritanos reconheciam os direitos de caça e pesca dos
indígenas em terras que os índios lhes venderam. De fato, teria
sido tolice para os puritanos não permitir direitos de caça aos índios, já que
eles próprios não eram caçadores, e o reconhecimento dos direitos de caça
indianos em terras puritanas significava que os índios podiam adquirir as peles
de castor que os puritanos estavam ansiosos em adquirir. E embora disputas
ocasionalmente aparecessem, as cortes da Nova Inglaterra frequentemente
julgavam em favor dos litigantes indígenas que alegavam que as fronteiras
estabelecidas não estavam sendo respeitadas. Os colonos de fato acreditavam que
terra desabitada ou desolada poderia ser ocupada por qualquer um que a
descobrisse, mas esta idéia nunca foi usada para expropriar os indígenas das
suas terras; estas eram até mesmo retornadas aos seus proprietários indígenas
que mais tarde iriam presenteá-las, eles mesmos, aos colonos.”
Fonte: WOODS, Thomas E. The Politically Incorrect
Guide to American History. Simon and Schuster,
2003. Cap. 1.
O que
Woods diz não é necessariamente nada de inovador, único ou extraordinário,
mesmo historiadores que divulgam Historiografia em meios de massa já expuseram
o mesmo. Ao comentar sobre o mito do ódio indígena pelos puritanos, Lori Stokes
expôs na The Washington Post:
"Se você tivesse que escolher um grupo que os
puritanos realmente tinham um ódio especial, esses seriam os católicos (depois
disto, viriam grupos sectários como os quakers e os anabatistas, e então de
todo mundo que não era um puritano). Neste aspecto, os puritanos eram mais
empáticos com os índios do que com católicos. Eles preferiam converter os
índios antes, acreditando que, diferente dos católicos, que juraram lealdade ao
Papa e escolheram resistir ao Protestantismo, não poderiam ser culpados pelo
seu paganismo. Em partes da Nova Inglaterra, puritanos e índios viviam em
cidades vizinhas, faziam negócios uns com os outros e às vezes adoravam juntos
e tinham lealdades complexas. Isto é evidente durante a Guerra do Rei Felipe,
em 1676-1677, quando alguns colonos se recusaram a lutar contra seus vizinhos
indígenas. " [1]
Diga-se
de passagem, a própria constituição dos primeiros puritanos em Massachussets
Bay definia que se devia: "ganhar
e incitar os nativos da terra ao conhecimento do único e verdadeiro Deus e
Salvador da Humanidade, e à Fé Cristã".
Os detratores dos puritanos raramente focam suas energias além da questão indígena. Polemicistas católicos são dissuadidos de comentar a questão africana pelo fato de que, além da escassez de evidência negativa, a escravidão translântica foi, por mais cem anos, praticada exclusivamente por nações ibero-católicas, e com o apoio magisterial do Papa desde meados do século XV.
No início da colonização britânica, europeus e africanos constituam elementos servis em regime de trabalho forçado. A colônia da Virginia, fundada em 1607, recebeu, entre 1642 e 1675, "alguns aristocratas e um grande números de indentured servants do sul da Inglaterra" (WOODS, 2003). Indentured servants seriam esses indivíduos que, por conta de um contrato, eram privados de sua liberdade e serviam como trabalhadores forçados por uma quantidade determinada de anos. Era regime análogo à escravidão, embora não idêntico. Antes da escravidão ser legalmente aprovada na Virgínia, em 1661, todos os negros não-livres eram considerados indentured servants.
No início da colonização britânica, europeus e africanos constituam elementos servis em regime de trabalho forçado. A colônia da Virginia, fundada em 1607, recebeu, entre 1642 e 1675, "alguns aristocratas e um grande números de indentured servants do sul da Inglaterra" (WOODS, 2003). Indentured servants seriam esses indivíduos que, por conta de um contrato, eram privados de sua liberdade e serviam como trabalhadores forçados por uma quantidade determinada de anos. Era regime análogo à escravidão, embora não idêntico. Antes da escravidão ser legalmente aprovada na Virgínia, em 1661, todos os negros não-livres eram considerados indentured servants.
Este foi
o caso do luso-angolano Antônio, também conhecido Antony Johnson (1600-1670), que após ganhar sua
liberdade, adquiriu um latifúndio de 250 acres e cinco trabalhadores forçados,
quatro brancos e um negro. Johnson manteve seu servo negro, John Casor,
sob serviço sete anos após seu contrato terminar, constituindo uma ilegalidade.
Casor buscou abrigo de um vizinho branco que persuadira seu mestre a
libertá-lo, mas sem sucesso. Antônio decidiu processar seu vizinho por abrigar Casor enquanto o mesmo supostamente era
"posse" do latifundiário negro. Embora tenha perdido no processo
inicial, Antônio venceu no apelo, tornando John Casor sua posse perpétua. Assim,
o caso de Johnson e Casor constituiu o primeiro caso registrado de um
negro reduzido a condição de escravo nos EUA [2].
Cidades puritanas como a de Massachusetts garantiam isonomia legal
para homens livres e escravos:
"Um profundo compromisso com a lei e o processo judicial
dominou as visões raciais antipáticas e garantiu um tratamento justo e
igualitário, garantindo os direitos legais básicos dos ingleses a negros
livres, servos e escravos. Esses direitos incluiam proteção
policial, assessoria jurídica, julgamento por júri, audiências justas, apelos e
justiça imparcial – conceitos muito desejados no século XX. No século XVII,
esses conceitos estavam incipientes em grande parte do mundo ocidental. Mas Massachusetts guardava essas liberdades com rigor, aplicando-as sem levar em
conta a cor da pele. Os puritanos não tinham visões raciais avançadas, mas
colocavam uma alta prioridade na universalidade da justiça. Ao longo do século,
negros e brancos receberam tratamento essencialmente igual perante a lei.
Princípios importantes foram observados mesmo em ofensas menores.
[...]
Como os
brancos, os negros recebiam proteção policial e estavam protegidos de ações
punitivas extralegais. Quando três índios invadiram a casa de
Angola, um negro livre, em 1672, ele abriu um processo. Todos os três receberam
vinte chibatadas e foram condenados a permanecer na prisão até pagarem as
custas judiciais. [...] O princípio de usar meios judiciais ao invés de
recorrer a retribuições pessoais se estendia à jurisdição da colônia de Maine,
quando em 1688 George Norton processou seu próprio negro por roubar sua lã.
[...] A palavra de um negro era admitida como evidência e seu testemunho era
tão aceitável quanto os de brancos. Acusações contra negros deveriam ser
documentadas e recebiam tratamento adequado de juris e magistrados. Negros
tinham proteção policial e eram protegidos contra práticas extralegais que
poderiam lhes negar o processo devido da lei. Eles poderiam apelar, usar
aconselhamento legal e receber perdões.
Estes
princípios [...] também eram aplicados quando crimes hediondos eram cometidos.
Negros recebiam o mesmo tratamento judicial que brancos em todos os aspectos de
um caso, da acusação à punição. [...] Fornicação interracial não era punida de
forma mais severa do que a punição de fornicação entre pessoas da mesma raça.
[...] Se o status legal de um negro não era determinado pela pigmentação de sua
pele, também não era por suas oportunidades econômicas. Diversos negros, servos
e livres, acumularam todo o tipo de propriedades; a cor de sua pele não definia
ilegibilidade para ganhos econômicos. Embora muitos negros fossem membros da
classe servil e, portanto, no ponto mais baixo da escada econômica, alguns
foram capazes de ascender a um nicho invejável no mundo de negócios dos brancos.
A
história de Angola ilustra as possibilidades. Em 1653 ele foi propriedade do
capitão Robert Keayne, que em seu testamento em 1656 deixou Angola com uma
herança de 2 libras. O negro livre Bostian Ken comprou Angola e o libertou
[...] Nos vinte anos antes da sua morte, Angola pagou sua obrigação de 18 libras
a Ken e ascendeu de um servo com 2 libras de herança a um negro livre de muitos
bens. Bostian Ken, o benfeitor de Angola, era outro negro próspero. [...] A
maioria dos outros donos de terras negros do século XVII receberam suas
propriedades de seus mestres. [...] Embora o número de negros bem sucedidos
fosse pequeno, eles vieram de uma população negra na colônia que não passava de
duzentos naqueles tempos.
Poucos
negros eram donos de propriedades, mas a maioria eram empregados domésticos
vivendo com famílias brancas. [...] A maioria dos negros viviam nas casas de
seus mestres, e eram frequentemente deixados sozinhos, podendo ir e vir
conforme lhes aprouvesse quando não estivessem trabalhando. Eles não eram
restritos às cidades onde viviam e em muitos casos se moviam livremente pelo
campo.
[...]
Os
mecanismos de controle social da colônia, que permitiam fácil contato
interracial, não fizeram dos negros cidadãos de pleno direito ou socialmente
equivalentes a brancos, mas também não os movia para outro reino de existência.
A ausência de barreiras sociais rígidas em Massachussets não criou uma utopia
negra. Mas, de forma semelhante, os negros de Bay Colony não eram forçados a um
mundo próprio, separado e humilhante. O negro pairava na margem da participação
completa na vida econômica e social. “ [3]
Embora,
de fato, leis contra a circulação noturna de negros não-livres, compra e venda
de bebidas fortes e casamentos mistos tenham se estabelecido posteriormente,
essas leis eram vistas como “respostas
a problemas específicos e observáveis na colônia" [4], como resultado do que “os puritanos viam como manifestações de desordem social" [4]
"A legislação não
foi um programa premeditado para desvalorizar o negro, porque os puritanos
acreditavam que essas regulamentações eram do melhor interesse do negro. Alguns
líderes coloniais como Samuel Sewall e Cotton Mather queriam incorporar os
negros mais intimamente na sociedade colonial e nas instituições religiosas;
mas homens de visão mais estreita passaram leis que superaram as boas
intenções." [5]
CONCLUSÃO
Eu não
quero negar, com isto, que nunca houve racismo nos EUA. De fato, houve. O
racismo nos EUA já foi o pior das Américas, e é um dos piores
atualmente. A questão aqui, no entanto, é justamente sobre imputar esse
racismo nas raízes e origens da fundação religiosa norteamericana, ao invés, de
como é o comum, imputar o racismo moderno entre a segunda metade do século
XVIII e início do XIX, onde a política, o racionalismo secular do Iluminismo e
as teorias raciais cientificistas, não a religiosidade, desenvolveram o
papel fundamental na formação do racismo moderno nos EUA e no mundo. Estas transformações sociais são visíveis, como pode se ver:
"Um dos fenômenos da Portsmouth tardo-colonial era procissão negra realizada todos os meses de Junho. Vestidos em roupas brilhantes, a população negra da região se reunia e partia em procissão do centro da cidade aos arredores, então retornando algumas horas depois com música festiva e os estrondos dos disparos de armas de fogos para celebrar o seu novo rei e sua corte. Este rito anual não estava limitado a Portsmouth colonial: Salem, Boston, Providence, New Haven e pelo menos quatorze outras cidades da Nova Inglaterra, assim como outras colônias americanas, tinham sua comunidade negra elegendo um líder dentre os seus. Em colônias onde governadores brancos eram eleitos para ofícios, líderes negros eram geralmente chamados de governadores negros. Em colônias onde governadores brancos eram apontados pela Coroa, líderes negros eram chamados de Reis Negros.
[...]
Os Dia de Eleição Negra eram bastante impressionantes pela Nova Inglaterra [...] A população negra se reunia através da capital e de cidades vizinhas. Eles se vestiam com suas melhores roupas, geralmente preferindo cores brilhantes. O dia começava com uma procissão liderada pelo atual governador ou rei negro. Ele, seus oficiais ou corte (geralmente montados em cavalos e com espadas ropeiras) e a multidão seguia com música alegre e sons de tiro até o local das eleições [...] Então todos procediam para a casa do líder eleito para uma tarde e noite de festa, com ponchos, música, dança e júbilo.
[...]
O Rei Nero Brewster e sua corte eram tidos em alta estima pelo resto da população negra. Como acontecia em outros lugares da América Colonial, o Rei Nero servia como líder social e magistrado para crimes menores. Por exemplo, quando Prince Jackson, escravo de Nathaliel Jackson [...] foi acusado de roubar um machado, ele foi trazido diante do Rei Nero. Prince foi achado culpado e sentenciado a vinte chibatadas. Estas foram admnistradas pelo vice-rei, Willie Clarson.
[....]
As eleições negras da Nova Inglaterra atingiram seu auge por volta de 1790, então gradualmente morreram. [...] O racismo moderno estava emergindo" [6]
Uma
figura importantíssima para abordar esta transformação social de visão racial
norteamericana vem de um puritano negro, Lemuel Haynes (1753 - 1833). Ele era
filho de um africano com uma serva escocesa, que o abandonou ao
nascer. Lemuel foi adotado por um diácono congregacionalista e, durante
sua juventude, experimentou uma profunda conversão religiosa.
Como ministro do Evangelho, Lemuel foi comparado aos maiores nomes de seu
tempo, como o reavivalista inglês George Whitefield e o puritano americano
Jonathan Edwards.
Lemuel
foi provavelmente o primeiro pastor negro a pregar para congregações brancas sobre abolicionismo e igualdade
racial, à luz das Escrituras.
“Desprezar negros, comerciá-los como
escravos ou manter escravos não era reconhecer a Deus. Não abordar suas
afeições, mentes e vontade. Um desafio mais poderoso contra o comércio
escravagista, a escravidão e o racismo dificilmente poderia ser melhor
articulado na tradição calvinista". [7]
As
coisas, porém, parecem ter mudado radicalmente na década de 1830, quando as
pessoas "descobriram que ele era
negro" [7]. A sua primeira exposição ao
racismo é descrita pelo próprio Lemuel, através de uma narrativa em terceira
pessoa:
" 'Ele viveu com o povo de Rutland por trinta anos,
e eles eram tão perspicazes no fim daqueles anos que eles acabaram descobrindo
que ele era um crioulo, e então se afastaram'. Agora, nesta fase, suas visões
tinham se tornado tão inaceitáveis quanto a sua pele.
As poderosas armas que Haynes empunhou foram perdidas
quando os abolicistas tardios se voltaram à religião da livre vontade. Para
eles, a população afroamericana era a consequência triste de um acidente
cósmico. Não havia o design divino neles. Isto fez da presença dos negros na
América como uma população obscurecida, indesejada. Abandonar o calvinismo de
seus pais fez a causa da abolição tornar-se oca." [7]
Com Deus e armas vitoriosas,
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
[1] STOKES, Lori. The Washington Post: Five
Myths about Puritans. 18 de novembro
de 2016. Disponível em: <https://www.washingtonpost.com/opinions/five-myths-about-puritans/2016/11/18/aa0ccd46-aae3-11e6-8b45-f8e493f06fcd_story.html>. Acesso em16 de junho de
2020.
[2] WALKER, Juliet. The
History of Black Business in America: Capitalism, Race,
Entrepreneurship, Volume 1. p. 49
[3] TWOMBLY, Robert C. MOORE, Robert. H. Black
Puritan: The Negro in Seventeenth Century Massachussets. p. 224-246. Disponível em: <https://www.jstor.org/stable/1920837?read-now=1&seq=1>.
Acesso em 16 de junho de 2020.
[4] TWOMBLY, R. C. MOORE. R. H. ibid. p. 245.
[5] ibid. p.
245-246.
[6] SAMMONS, Mark. CUNNINGHAM, Valerie. Black Portsmouth: Three Centuries of African-American Heritage. UPNE, 2003. p. 52-55.
[7] WALKER,
Luke. The Black Puritan: Lemuel Haynes (1753 - 1833). Disponível em: <https://www.desiringgod.org/articles/the-black-puritan>.
Acesso em 16 de junho de 2020.
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