Anfilóquio de Icônio (r. 373-393/403) e o ensino aniconista da Igreja

 

Ícone de São Anfilóquio no Menológio de Basílio II (c. 1000 d.C). 

Nascido em uma distinta família da Capadócia, Anfilóquio é um educado e erudito Pai da Igreja que se tornou, em 373 d.C. [1], bispo da importante cidade de Icônio [2], à pedido de Basílio de Cesaréia, o qual provavelmente teria sido seu próprio primo [2]

Embora geralmente negligenciado nos debates sobre imagens sacras, Anfilóquio costuma ser considerado por diversos eruditos como o quarto maior capadócio do final do século IV, juntamente com Basílio Magno, Gregório de Nissa e Gregório Nazianzeno [1]. Outros Pais, tais como Jerônimo e Teodoreto de Ciro, teceram inúmeros elogios ao mesmo [2].

Dito isto, deve-se levar em consideração o que um defensor tão apaixonado pela ortodoxia da fé católica, no último quartel do quarto século, diz sobre imagens no seu tempo, às custas de contradizer as mesmas igrejas iconódulas que o canonizaram.

"Nós não nos engajamos em retratar a aparência corporal dos santos em tabuinhas, por meio de cores, porque não precisamos destas coisas; ao invés disso, nós imitamos sua conduta através das [nossas] virtudes" [3].

Anfilóquio nega que a Igreja e os cristãos façam ícones na semelhança dos santos. Ao invés disso, é a semelhança de conduta destes santos que são imitadas pelos fiéis cristãos: justamente, o mesmo tipo de argumento levantado por Pais como Orígenes de Alexandria (c. 184-254) e Epifânio de Salamina (c. 310-403); isto é, o dictum está em conformidade com o ensino antigo e contemporâneo das autoridades da Igreja. Aliás, ele mesmo não trata o aniconismo como uma visão particular, mas como a conduta comum da Igreja de seu tempo.


ANFILÓQUIO NOS CONCÍLIOS ICONÓDULAS E ICONOCLASTAS


O Sétimo Concílio Ecumênico dos iconoclastas, chamado de Concílio de Hieria ou Constantinopla (754), fez uso do testemunho de Anfilóquio como prova da tradição anicônica da Igreja Católica [4]

Quando os iconódulas orquestraram seu próprio Sétimo Concílio Ecumênico, em 787 d.C, os escritos de Anfilóquio com respeito às imagens foram virtualmente ignorados. Uma postura estranhíssima, considerando que os testemunhos de Eusébio, Epifânio e tantos outros foram extensivamente citados, seja para descaracterizar seu valor, seja para acusá-los de falsificações. Todavia, com os escritos de Anfilóquio sequer houve uma acusação de falsificação. Eles simplesmente fingiram que tais escritos nunca existiram, enfim declarando que o culto às imagens era a fé apostólica, primitiva e imutável, nunca dantes contestada antes do século oitavo.

Embora os iconódulas fingissem que o testemunho de Anfilóquio não passava de um delírio coletivo, eles se empenharam em destruir os documentos do concílio iconoclasta, bem como todos os livros que pudessem ter alguma menção ao aniconismo. 

Quando os iconoclastas retornaram ao poder, eles organizaram o Concílio de Hagia Sophia (815), anatemizando Nicéia II e confirmando Hieria como o verdadeiro sétimo concílio ecumênico. Não surpreendentemente, Anfilóquio foi citado novamente no rol de referência patrísticas aniconistas; disto nós sabemos porquê o historiador P. J. Alexander encontrou um fragmento sobrevivente do mesmo nas atas do concílio [4]; isto é, algo que conseguiu sobreviver à destruição documental dos iconódulas, em seu esforço de reescrever à História. 

O jesuíta e orientalista Michel van Esbroeck comenta sobre a descoberta do fragmento no século XX:

"Argumentos contra a autenticidade [do fragmento] foram adiantadas por A. Vööbus em 1960. Elas não são realmente convincentes a menos que aceitemos que no período patrístico a idéia de um panegírico incluía a necessidade de recordar os elementos de uma biografia. Este não é o caso." [5]

Como o jesuíta católico bem mostra, estamos lidando com uma passagem autêntica de um importante bispo e santo do final do século IV evidenciando, como já foi extensamente mostrado, que a Tradição Cristã é aniconista, e que assim costumava persistir mesmo nessa época. A resposta de Nicéia II para isto? O simples silêncio, acompanhado de esforços oficiais para a destruição de toda a referência que contradissesse o ensino iconódula. Pela Graça de Deus, seus esforços foram em vão. 


Com Deus e armas vitoriosas,
Pedro Gaião.
_________________________________________

REFERÊNCIAS:


[1] VAN ESBROECK, Michel. Amphilochius of Iconium. The Coptic Encyclopedia. Vol. 1. Claremont: The Gale Group Inc, 1991. p. 1. Disponível em: <https://ccdl.claremont.edu/digital/collection/cce/id/119>. Acesso em 17 de novembro de 2020.

[2] SHAHAN, Thomas. Amphilochius of Iconium. The Catholic Encyclopedia. Vol. 1. Nova Iorque: Robert Appleton Company, 1907. Disponível em: <http://www.newadvent.org/cathen/01438a.htm>. Acesso em 17 de novembro de 2020.

[3] RYDÉN, Lennart. The Role of the Icon in Byzantine Piety. Scripta Instituti Donneriani Aboensis 10:41-52, 1979. p. 44.

[4] ALEXANDER, Paul J. The Iconoclast Council at St. Sophia (815) and Its Definition (Horos). Dumbarton Oaks Papers 7, 1953. p. 33-66.

[5] VAN ESBROECK. ibid. p. 2.

Comentários

Postagens mais visitadas