Fabricando um Gregório Iconodula: a epístola papal à Secundino
São Gregório Magno, pelo pintor tenebrista José de Ribera (século XVII). Alguns dos traços mais característicos das representações modernas no meio católico é a releitura de figuras históricas com indumentária distintivamente papista. As vestes sóbrias e ásperas das primeiras representações medievais são substituídas com a pompa obscena do papado tardio. Note a tiara papal encrustada de jóias e totalmente coberta de pérolas, além das vestes de carmesim e cetim branco.
No artigo anterior, onde abordamos a iconia de Gregório Magno (r. 590-604), tornou-se exaustivamente claro que o Papa ensinava uma doutrina muito diferente daquela que os iconodulas pregariam séculos mais tarde. A evidência definitiva na Segunda Epístola a Sereno (600 d.C) e todos os especialistas da área confirmam: diante da questão de imagens, Gregório não distingue "adoração" de "culto", como dialética iconodula exige e afirma. Antes, ensina canonicamente o uso meramente educativo de imagens cristãs, rejeitando o que chamava de "adoração de imagens". Nestas condições, Gregório tornou-se sujeito a todas as condenações e anátemas lançados por iconodulas dos séculos VIII e IX contra os que não cultuavam imagens e criam contrariamente à doutrina da mesma. Ainda que um Papa Herege e Anatemizado não constitua algo diretamente fatal aos iconodulas orientais, certamente é fatal aos católicos romanos.
O testemunho autêntico de Gregório Magno seria defendido por francos e germânicos do Império Carolíngio, onde o Anti-Iconodulismo era a posição de consenso nos séculos VIII e IX. Paralelamente a isto, no único bolsão iconodula da Europa Ocidental (ie. Península Itálica), os iconodulas tinham dois problemas fundamentais:
I) Precisariam encontrar evidências de patrologia iconodula no Ocidente, algo simplesmente impossível;
II) Precisariam responder ao iconismo estrito de Gregório, que não concedeu qualquer forma de culto às imagens mas, antes, indicava sua condenação.
A solução dos iconodulas romanos, reunidos nos sínodos papais contra a Iconomaquia Bizantina, foi tão ilibada e irrepreensível como poderia se esperar: falsificar evidência de culto às imagens em São Gregório Magno.
A epístola forjada a Secundino diz mais sobre a posição de Gregório do que qualquer outra coisa: só foi necessário falsificar documentos "provando" o iconodulismo de Gregório por não existir, de fato, tal iconodulismo. Afinal, não se produz evidência falsa na existência da evidência verdadeira. Caso contrário, seria um crime extremamente estúpido falsificar algo que é tão reconhecido nos escritos do mesmo.
Os papistas mais obstinados são obrigados, então, a reconhecer que a carta a Secundino foi uma adulteração inútil. Mas ao fazê-lo, principalmente considerando que esta é a única alternativa viável contra a apostasia, imediatamente descredibiliza os sínodos romanos, papas, e iconodulas romanos que fizeram uso dela. Mas como diz a Escritura: "Quem é fiel no pouco, também é fiel no muito, e quem é desonesto no pouco, também é desonesto no muito" (Lc 16:10).
O defensor do iconodulismo gregoriano precisaria admitir que o Magistério agiu de forma pecaminosa, errônea e sacrílega, como também precisaria afirmar que a vitória do iconodulismo no Ocidente foi baseada em fraudes e mentiras. E como a palavra de Deus ensina: "Um pouco de fermento lêveda toda a massa" (Gl 5:9).
A INTERPOLAÇÃO DA EPÍSTOLA A SECUNDINO DA GÁLIA
A adulteração desta epístola é uma das fraudes mais grosseiras do histórico mitomaníaco iconodula. Os próprios registros católicos romanos apontam a existência de duas versões desta carta: a carta autêntica, numa entrada mais antiga do Registrum Epistularum (698-704) [1], e a adulterada, adicionada mais tarde, numa entrada posterior do mesmo Registrum Epistularum (1104-11) [1].
Rigorosamente, nem apologistas modernos utilizam a carta a Secundino como evidência de culto às imagens no Cristianismo "Antigo". O que é curioso, já que historicamente os demais escritos gregorianos nunca tiveram a mesma proeminência apologética para a tese do iconodulismo gregoriano. Papas iconodulas no século oitavo, como Adriano, tinham na epístola adulterada uma das suas principais aliadas: "a opinião de Adriano era colorida por sua crença na autenticidade da versão interpolada da carta a Secundino." [2]
A historiadora italiana Francesca Dell'Acqua, especializada em Iconomaquia, estudos bizantinos e arte medieval pela Universidade de Salerno, assim nos descreve:
"Gregório Magno se preocupou com a questão das imagens sagradas em duas cartas escritas ao bispo Sereno de Marselhas para repreendê-lo por sua atitude iconoclasta e para sugerir que imagens deveriam ser usadas para ensinar os iletrados, mas não para serem veneradas ou destruídas. [...] Na segunda metade do século oitavo, a epístola a Secundino foi propositalmente 'editada' com a finalidade de apresentar Gregório Magno como um iconófilo ardente. O texto interpolado vai além do reconhecimento de Gregório quanto a utilidade das imagens sacras para instruir os fiéis no espaço consagrado da igreja: também admite sua veneração por causa da sua eficácia em recordar seu protótipo divino. Além disso, o interpolador abandona a posição de Gregório de que clérigos letrados devem ser intermediários na compreensão de imagens sacras e dos seus ensinos na igreja, promovendo, ao invés disso, uma relação direta e privada entre imagens sacras e o fiel. Esta é a postura que os iconófilos mantiveram durante o século oitavo. Uma vez que o interpolador estava ciente das outras fontes da florilegia usada no Sínodo Laterano de 769, se especula que ele fez parte da equipe engajada na redação da florilegia." [3]
Assim, Gregório era "atualizado" para o iconodulismo do século VIII, tornando-se uma referência contra iconoclastas e iconistas não-iconodulistas. Mas Dell'Acqua não é a nossa única referência acadêmica no assunto.
A erudita Celia Chazelle, historiadora latinista de cultura, religião e arte tardo-antiga e alto-medieval pela Universidade de Yale, durante o simpósio internacional da Universidade de Notre Dame de Gregório Magno, em 1993, apresentou o ensaio Memória, Instrução e Culto: A influência de "Gregório" nas Doutrinas Alto-Medievais da Imagem Artística. As aspas não são ocasionalismo, uma vez que o ensaio trata justamente de fraudes, adulterações e citações distorcidas de Gregório por autores medievais. A nossa interpolação, é claro, têm grande destaque na análise:
"Adicionada a uma carta enviada por Gregório ao eremita Secundino da Gália, e primeiramente mencionada em relação ao Concílio Laterano de 769, a forjadura foi provavelmente composta em algum momento no século oitavo para reforçar os argumentos dos iconodulistas romanos contra o iconoclasmo bizantino. Na interpolação, 'Gregório' encoraja Secundino a contemplar uma pintura de Cristo enviada pelo Papa, as palavras indicam que o escritor tinha em mente uma pequena imagem útil para devoção privada, assim como um ícone:
'Com esforço você busca no coração Aquele cuja imagem você deseja ter diante dos seus olhos, de forma que, todos os dias, o que teus olhos vêem trazem a tona a pessoa retratada, de modo que enquanto olhas para o quadro sua alma arde por Aquele cuja imagem você contempla com tanto zelo... Sabemos que você não quer uma imagem de Nosso Salvador para adorá-la como se fosse um deus, mas para recordar o Filho de Deus e, assim, ter um amor caloroso por Aquele cuja imagem você se preocupa em contemplar. E certamente nós não nos prostamos diante daquela imagem como diante de uma deidade, mas nós adoramos Aquele a quem lembramos através da imagem, seja no seu nascimento, ou na sua paixão ou assentado no seu trono.'" [4]
É unânime entre acadêmicos e especialistas de diferentes áreas que a menção de reverência diante de imagens na carta a Secundino se trata de uma fraude. Nem mesmo apologistas papistas, até onde esta pesquisa averiguou, ousam contestar a existência de uma falsificação, quando não a ignoram, como se nunca tivesse ocorrido. O erudito húngaro Gábor Endrôdi afirma:
"Parece ter sido esquecido pelos estudos anteriores que a interpolação alto-medieval na carta de Secundino foi muito provavelmente inspirada por São João Damasceno, muito provavelmente pelo capítulo sobre imagens em sua obra enciclopédica. No contexto atual, mais crítico é a questão do quão conhecida, se é que chegou a ser conhecida, esta interpolação - tão frequentemente citada na Alta Idade Média - foi nos séculos XII e XIII. Não conheço nenhuma prova direta de que os autores da Summa Halensis, ou talvez Bonaventura ou mesmo Tomás de Aquino, estivessem cientes deste texto. No século XI e na primeira metade do século XII, no entanto, em citações da segunda carta a Serenus (embora sempre a mesma passagem seja citada) o destinatário é consistentemente referido como 'Secundinus seruus Dei reclusus', o que sugere nenhum conhecimento direto de qualquer uma das cartas. O nome do destinatário foi corrigido primeiro por Graciano, que evidentemente leu a segunda epístola ao bispo gaulês, mas nada sugere que ele conheceu ou pelo menos soube do texto interpolado na carta de Secundinus." [5]
Além de nos confirmar a interpolação, Endrôdi nos revela pontos interessantes sobre a compreensão dos escritos gregorianos na Baixa Idade Média: os intelectuais da época não conheciam Gregório por meio de fontes primárias, mas por fragmentos e citações obscuras, permitindo até mesmo interpolações documentais entre as epístolas diferentes, como as de Sereno e a versão adulterada de Secundino. As consequências disso, é óbvio, são sempre negativas.
Isto também ajuda a explicar uma outra questão: por causa de citações fragmentárias, transmissões puramente orais e fontes escritas pouco confiáveis, cristãos ocidentais que viveram muitos séculos depois de Gregório tinham uma predisposição natural a considerá-lo um representante de suas posturas sobre imagens. E isto sequer é uma exclusividade de Gregório, uma vez que Endrôdi mostra como fragmentos de Basílio Magno (330-379), grosseiramente recortados e descontextualizados por João Damasceno, foram erroneamente utilizados por escolásticos medievais como uma referência iconodula do século IV [6].
Nas notas de rodapé do seu artigo, Endrôdi utiliza de referência o trabalho apresentado por Chazelle no Simpósio de Notre Dame como algumas das várias referências renomadas que confirmam sobre a interpolação da epístola. H. L. Kessler e H. G. Thümmel, sem dúvidas algumas das principais autoridades nesse campo de estudo, também são citadas confirmando a interpolação.
Chazelle, que num artigo anterior confirmou que a carta de Sereno prova o iconismo anti-iconodulista de Gregório, compara a carta deste com a versão interpolada tratada neste artigo:
"Ao comparar imagens a livros, ao desaprovar tanto o iconoclasmo quanto o comportamento idólatra contra imagens, e ao afirmar que imagens ajudam a ensinar os iletrados, no entanto, as cartas a Sereno ecoam os ensinamentos de outras autoridades dos séculos quinto e sexto do Oriente e do Ocidente. A interpolação, por outro lado, reflete argumentos empregados por defensores das imagens dos séculos sete e oito" [7]
Logo, referências de reverência diante de imagens cristãs, mesmo que em formas prematuras como a da interpolação tratada, são reconhecidas pela historiografia como uma ocorrência bem mais tardia que a própria visão meramente didática de imagens. Gregório não foi iconodula, como apologistas obstinados gostam de sugerir.
A EPÍSTOLA ADULTERADA SOB USO DE CONCÍLIOS ROMANOS E POR PAPAS DO SÉCULO VIII
A divergência atribuída aos escritos gregorianos é ainda explicada por Chazelle:
"Transmitir os ensinamentos de Gregório sobre imagens para gerações futuras às vezes envolvia imputar novas cores às suas idéias. [...] Uma das características marcantes dos escritos a serem discutidos neste ensaio é como a maioria deles encontra suporte não apenas para diferentes visões no que diz respeito à função das imagens, mas até mesmo para atitudes conflitantes quanto ao culto às imagens." [7]
Isto era possível porque havia "um texto forjado atribuído a ele, que havia sido preparado em Roma no século VIII, para defender o iconodulismo contra a iconoclastia bizantina. Quão longe Gregório poderia ser levado para apoiar doutrinas dissimilares é evidência, também, da flexibilidade pela qual clérigos alto-medievais regularmente lidavam com suas fontes - não apenas com Gregório, mas também com outros - conforme eles selecionavam material de textos antigos e modelavam nos seus próprios e frequentemente distintos ensinamentos" [7]
Curiosamente, o conhecimento da adulteração em Secundino não é um atestado acadêmico moderno. Em meados do século XIX, o reverendo John Mendham cita a epístola de Adriano a Carlos Magno onde o Papa defende que a adoratio de imagens ensinada por antigos pontífices deriva do próprio Gregório, usando a interpolação como sua referência-chave:
" 'Para que ninguém os tome para latir contra esta adoração, que é ensinada por nossos predecessores, os santíssimos Presules, que eles saibam que eles [os papas iconodulas do século oitavo] não ensinaram nenhuma outra adoração além daquela que nosso predecessor São Gregório, aquele ilustre Doutor e Papa, ensinou em sua epístola, apresentada por Herulphus, um bispo de uma cidade na província da Gália, no Concílio anteriormente mencionado de meu Senhor Estevão, que foi escrita a Secundinus, um servo de Deus, um recluso da Gália.' (Adrian's Answer, p. 123, col. 1)
Depois disso, as palavras da epístola seguem em toda sua extensão. Esta epístola é conhecida por ser espúria; e, se não foi conhecida até que sua apresentação por este Herulphus, há boas razões para pensar que ele mesmo a fez, ou, pelo menos, interpolou a parte que se relaciona com as imagens. As palavras inquestionáveis de Gregório sobre a adoração de imagens são: 'Adorare imagines vero omnibus modis devita." [8]
Mendham fecha, novamente, a questão de Gregório com o culto às imagens; ou, nas palavras do Papa, da adoração de imagens.
Alguns autores, costumam enfatizar a ignorância que Adriano tinha da origem adulterada da carta a Secundino, embora fizessem uso extensivo dela. A historiadora italiana Francesca Dell'Acqua comenta:
"O abade franco Adalard de Corbie requisitou ao monge lombardo Paulo, o diácono, para selecionar cartas do Papa, o que ele fez entre 786/7 e 790, tendo voltado da corte de Carlos Magno para a Itália. Esta coleção ficou conhecida como Collectio Pauli (São Petersburgo, Library M.E. Saltykova Shchedrina, ms. F.V.I. 7). Além de cartas relacionadas com questões francas e bizantinas, e outras sobre assuntos administrativos e jurisdicionais, em sua coleção Paulo também inclui duas cartas que Gregório escreveu sobre a função das imagens sagradas, uma ao bispo de Marselhas e outra para Secundino. Embora na maioria das cartas Paulo tenha muito provavelmente usado os originais mantidos em Roma, para a de Secundino ele optou por outra fonte, provavelmente o florilegium papal de 769, sem saber que a carta havia sido previamente interpolada. Possivelmente através da mesma fonte, a carta interpolada de Secundino também alcançou Adriano que - não sabia que o texto foi alterado assim como Paulo o Diácono - a mencionou no seu Hadrianum.
[...]
Ele se refere diversas vezes aos escritos do seu autoritativo predecessor - o 'melífluo e abençoado doutor Gregório o teólogo' - incluíndo as cartas a Sereno e Secundino" [9]
Se por um lado poderia se dizer que Adriano desconhecia que o escrito era adulterado, o isentando neste aspecto, a fonte pela qual a adulteração foi promulgada era um escrito iconodula oficial. Mais do que isto, era um documento papal, recebido num concílio presidido pelo Papa Estevão. Salvaríamos Adriano às custas de necessariamente imputar a desonestidade no papa anterior e num concílio romano.
De todo modo, o próprio fato de Adriano e Estevão, assim como demais iconodulas, terem divulgado um escrito adulterado para a defesa de uma doutrina controversa certamente põe em demérito a inspiração divina do iconodulismo romano e a inerrância do seu Magistério. Se a iconodulia prevaleceu séculos mais tarde, o fez por auxílio de documentos falsificados.
E como veremos, Adriano está longe de ser meramente uma vítima passiva de adulterações romanas passadas. Dell'Acqua também identifica Chazelle como uma autoridade de confiança para a questão das imagens em Gregório [9]. Retornando a ela, então, podemos avaliar o impacto do escrito adulterado e do tratamento de Adriano aos escritos gregorianos:
"A primeira identificação clara de Gregório como uma fonte para a dourina das imagens ocorre em relação ao Concílio Laterano de 769, reunido pelo Papa Estevão III para reafirmar as decisões contra o iconoclasmo grego de um concílio reunido em 731 sob o Papa Gregório III. De acordo com o Papa Adriano I, escrevendo para Carlos Magno em 793, o bispo Herulf de Langres, um dos vários bispos francos no concílio de 769, havia lido a carta interpolada a Secundino diante de uma assembléia, como evidência de como imagens eram apropriadamente veneradas. A carta de Adriano a Carlos Magno, assim como outros registros do concílio de 769, revelam que o sínodo, assim como o escritor da interpolação, distinguia o culto à imagem da adoração devida a Deus, embora a assembléia evidentemente considerasse o termo adoração aceitável para denotar a reverência dada a imagens.
[...]
A mesma carta de Adriano, que é principalmente uma defesa do concílio iconocula de Nicéia II (787) e uma resposta para a lista de capítulos (o Capitulare adversus synodum) do tratado carolíngio, o Libri Carolini, relaciona Gregório com a doutrina iconodulista romana de outras formas também. Referências às cartas a Sereno, por exemplo, são usadas para apoiar as próprias declarações de Adriano que imagens eram comparáveis à Escritura, que elas permitiam aos iletrados ler aquilo que elas não podiam em livros e ajudavam seus observadores, assim como alegações de que Gregório respeitava e venerava 'santas imagens' e que estas imagens, como a Escritura, deveriam ser guardadas em memória e veneração daqueles que são descritos nelas. A carta a Januário e a interpolação também são notadas como evidências de que Gregório cria que imagens merecem alguma forma de veneração, e a interpolação por conta própria é mencionada para defender a declaração de Nicéia II, rejeitada no Capitulare, que 'através de uma imagen, que é formada com cores, Sua força [de Cristo] é adorada e glorificada, e nós traremos a memória de sua presença na terra'. A última sessão da carta de Adriano traz todos os quatro textos gregorianos juntos - a 1ª e 2ª epístola de Sereno, a epístola a Januário e a interpolação - para sustentar as doutrinas de que as imagens dos santos demonstram amor aos santos e a Deus e são legítimamente cultuadas, 'como Gregório ensinou', através de beijos e de 'saudação humilde' [honorabilem salutationem reddere]. Adriano é cuidadoso em distinguir a veneração de imagens da adoração devida a Deus, apesar de seu ocasional emprego do termo adoração para descrever o culto às imagens.
Ao identificar Gregório com a resposta iconodulista ao iconoclasmo bizantino, Adriano e o Concílio Laterano de 769 efetivamente ligaram ele com as doutrinas e práticas sobre imagens que tomaram forma principalmente no Oriente após a morte de Gregório e ganharam força em Roma por influência oriental. A ponte entre os ensinos de Gregório, produtos do final do século VI, e o iconodulismo romano do século VIII foi parcialmente construído com a interpolação da carta a Secundino." [10].
Com exceção da constatação de que Gregório via imagens como instrumentos educativos, similares a uma "bíblia dos iletrados" todo o resto da defesa de Adriano é distorção ou invenção grotesca. Mesmo a alegação de Gregório ensinou a venerar imagens "através de beijos" não é encontrada sequer na epístola adulterada, são mentiras cabeludas introduzidas pelo próprio Papa, talvez na expectativa de persuadir o imperador analfabeto com informações que o próprio Carlos Magno nunca teria condições de checar por si mesmo. Uma estratégia bem rasteira, por assim dizer. Podemos, então, encerrar com as orientações das Escrituras:
"O Espírito diz claramente que nos últimos tempos alguns abandonarão a fé e seguirão espíritos enganadores e doutrinas de demônios. Tais ensinamentos vêm de homens hipócritas e mentirosos, que têm a consciência cauterizada" 1 Timóteo 4:1-2
"Quem pratica a fraude não habitará no meu santuário; o mentiroso não permanecerá na minha presença." Salmos 101:7
"Fora ficam os cães, os que praticam feitiçaria, os que cometem imoralidades sexuais, os assassinos, os idólatras e todos os que amam e praticam a mentira." Apocalipse 22:15
Com Deus e armas vitoriosas,
Pedro Gaião.
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· REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
[1] ENDRÔDI, Gábor. The Chancellor's Three Reasons for Paintings in Churches. Budapeste: Essays in Art History in Honour of Ernö Marosi on His Seventieth Birthday, hrsg. von Livia Varga et al, 2010. p. 146.
[2] CHAZELLE, Celia M. Pictures, books, and the illiterate: Pope Gregory I's letters to Serenus of Marseilles. Word & Image: A Journal of Verbal/Visual Enquiry, 6:2. p. 152.
[3] DELL'ACQUA, Francesca. Iconophilia: Politics, Religion, Preaching, and the Use of Images in Rome, c.680 - 880. Cap. 12.
[4] CHAZELLE, Celia M. Memory, Instruction and Worship: "Gregory's" Influence on Early Medieval Doctrines of the Artistic Image. apud CAVADINI, J. C. Gregory the Great: A Symposium. University of Notre Dame Press, 2015. Cap. 10. p. 184.
[5] ENDRÔDI. ibid. p. 138-139.
[6] ENDRÔDI. ibid. p. 141.
[7] CAVADINI. ibid. p. 185.
[8] The Seventh General Council, the Second Council of Nicea, in which the worship of images was estabilished: with copious notes from "Caroline Books", compiled by order of Charlemagne for its confutation. Tradução do Rev. John Mendham. Londres: 1850. p. 334.
[9] DELL'ACQUA. ibid.
[10] CAVADINI. ibid. 186-187.
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