Como a pesquisa de R. E. Oakeshott destruiu a credibilidade das Relíquias Sacras




Na foto: Ronald Ewart Oakeshott 

Mesmo não tendo se formado historiador, a contribuição histórica das obras de Ronald Ewart Oakeshott (1906-2002) permanece tangível e incontestável até os dias de hoje, seja para historiadores, arqueólogos ou simples entusiastas do ramo da espatologia [i]. Sua maior e mais evidente contribuição, conhecida hoje como a "Tipologia Oakeshott de Espadas" é a ferramenta canônica de qualquer museu e estudioso da área para a datação de espadas retas europeias [ii].

Neste momento, é claro, o leitor pode se perguntar qual a utilidade desta contribuição para o debate teológico e apologético, e se surpreender com sua inusitada utilidade. 

A maioria das pessoas, principalmente as que não visitam sítios históricos na Europa, não costumam saber que espadas relacionadas, usadas ou possuídas por santos estão arroladas na lista de quinquilharias sacras conhecidas pelo romanismo e melquitismo como relíquias. E não só tais espadas são relíquias de fato, como historicamente elas desfrutavam de grande prestígio na religiosidade romanista, tendo seu início e auge na Idade Média, quando tal crença tornou-se universal. Muito embora os secularistas e iluministas tenham removido e dessacralizado boa parte das espadas-relíquias de seus santuários e templos, permitindo seu estudo, ainda existem algumas espadas mantidas em igrejas ou trancadas à sete-chaves por motivos ainda mal explicados.

O próprio R. E. Oakeshott, em obras como o célebre Records of the Medieval Sword, repassam o estudo de diversas espadas-relíquias e fazem uma apuração de espadas atribuídas a São Jorge, Santa Casilda e outros, mostrando que, ao contrário do que a Grande Tradição afirma, todas essas relíquias são falsificações tardias e grosseiras

Objetos como ossos e pedaços de tecido podem ser difíceis de datar sem auxílio de maquinário científico (e.g. método de carbono-14, radioatividade de átomos de ferro etc). As raras concessões que a Igreja Romana permitiu para tais testes provocou vexames nacionais e derrubou crenças milenares — e.g.: Volto Santo de Luca, atribuído ao fariseu Nicodemos e à anjos escultores, datado entre os séculos VIII e IX por carbono-14 [1]; os ossos de São Vicente, padroeiro de Portugal martirizado em 304 d.C, datado ao século VI por carbono-14 [2] —, o que acaba dificultando a liberação de testes das demais relíquias. À despeito desta dificuldade, espadas detém vantagens que as demais relíquias não possuem: seu estilo, geometria e montagem permite que datemos exemplares à períodos específicos de feitura, muitas vezes com uma margem de precisão de 25 ou 50 anos, sem precisarmos recorrer a testes científicos complexos. 

Afinal de contas, da mesma forma que não podemos atribuir bazucas e facas-rambo à itens utilizados por santos romanos do século II, também não podemos a eles atribuir katanas japonesas ou espadas bastardas de modelos que só surgiriam na Alemanha nos idos de 1480 d.C. Neste sentido, Oakeshott permitiu falsear o que apologistas da Contrarreforma sempre negaram nas críticas dos reformadores: que as igrejas papistas mantinham uma quase totalidade de relíquias falsas, tornando o culto destas relíquias um ato inútil, falso ou até idolátrico.

Se atualmente a grossa maioria dos militantes católicos procura negar que exista alguma ou uma quantidade maior que a insignificância de relíquias falsas, variando é claro do nível de contato com a realidade que estes indivíduos têm, este estudo estabelece um precedente poderoso ao mostrar que, do grupo de relíquias que pode ser de fato datado com precisão, encontramos uma miríade de fraudes. E se a Igreja Romana de fato é o que ela tanto afirma ser: a única Igreja Verdadeira com inúmeros santos e milagreiros capazes de distinguir relíquias autênticas das falsas, o que vemos não poderia acontecer; mas acontece justamente porque o Papismo não é, e nunca foi, algo remotamente próximo de um Cristianismo Verdadeiro.


CASO 1: A ESPADA DE SÃO MAURÍCIO, EM TURIM 


A Espada de São Maurício, um suposto santo supostamente martirizado em 287 d.C. é similar aos casos ridicularizados pelos reformadores em que um um objeto que deveria ser único existia em quantidade: como as dúzias de crânios de João Batistas do mundo católico seiscentista, hoje reduzidas à 4 exemplares no mundo todo.

Por mais que algum católico diga que o santo possa ter carregado duas espadas de mão — o que até onde se sabe não é uma prática histórica, mas invenção de videogames —, tal recurso é inútil. A relíquia "espada de São Maurício", na Tradição Católica, se refere à espada que foi usada para decapitar o santo, não uma posse privada deste, excluindo a tese de que podem haver duas espadas-relíquias autênticas.

Adiantando e desmanchando todas as pseudo-teorias católicas, é necessário mencionar que ambas as espadas são do segundo milênio, já que não existiam espadas deste comprimento, geometria, fuller, guarda-mão, revestimento de cabo, pomo, método de fixação lâmina-montagem ou bainha. Ufa. No fim, elas estão completamente anacrônicas ao período ao qual afirmam vir. 

E não só entre romanos, que usavam gládios e possivelmente espatas de no máximo 71cm de lâmina, mas entre qualquer civilização do século III ou nos séculos anteriores. Vale lembrar, nossa relíquia tem quase 92cm de lâmina, como é típico de muitas espadas Oakeshott-Type XI e Type XII, cujo comprimento é fruto das inovações tecnológicas da Era Feudal e Pós-Viking, e que só eram feitas no Mundo Católico, onde tal tecnologia era empregada; na verdade, tudo desta espada é medieval-católico, sem um pingo de referência romana ou africana, que deveriam notear a espada real do suposto santo.

O Dr. Peter Johnsson, um dos maiores espatólogos vivos, comenta sua experiência ao manusear e medir a relíquia de Turim:

"Ao contrário da outra espada atribuída a São Maurício que reside em Viena, a de São Maurício de Turim foi mantida junto com as relíquias do santo. Acredita-se que a espada tenha sido usada para decapitar São Maurício, embora seja claramente uma espada do século XIII. Originalmente no Tesouro da Abadia de São Maurício em Valois (Suíça), em 1591 Carol Emanuele I de Sabóia transferiu a espada, juntamente com metade dos ossos de São Maurício, para a Capela Real de Torino. Desde 1858, a espada está exposta na Armeria Reale (Arsenal Real) em Torino e tem o número de inventário AR G 25. Está em muito bom estado de conservação [...] Acredita-se que a espada tenha sido fabricada na primeira metade do século XIII [...] Manejar a espada original foi um dos melhores momentos da minha vida até agora. Causou-me uma impressão muito forte ter o original nas mãos" [1].


CASO 2: A ESPADA DE SÃO MAURÍCIO, EM VIENA 



Alguns papistas mais entusiasmados podem pensar que a relíquia encontrada em Viena é a autêntica. Afinal, ambas são similares, o que pode indicar que o modelo de Turim é uma falsificação maldosa de católicos inescrupulosos, a partir da original. É claro que, como a espada de Turim estava com "os restos originais autênticos" de são Maurício, este apelo parece bem desesperado e fútil. Além disso, a guarda, lâmina e pomo serem diferentes nas duas relíquias, e o fato da Espada de Viena ter guarda e pomo de ouro, com bom acabamento, ao passo que a Turentina não é dourada e têm um acabamento porco, mostra que a tese de falsificação é falsa: uma é muito diferente da outra pra ser intencionada como imitação da sua prima.

Paul Chen apenas confirma o óbvio, que a espada de Viena "data do final do século XI ao início do século XII" [2]. Similarmente comprida, com 95.3cm de lâmina, os romanos não possuíam tecnologia para produzir espadas tão longas, e nem com esta construção e estilo.



Com Deus e armas vitoriosas,
Pedro Gaião.
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NOTAS:

[i]


REFERÊNCIAS:


[1] JOHNSON, PETER. The Sword of St. Maurice. Albion Swords. Disponível em: <https://albion-swords.com/product/the-sword-of-st-maurice/>. Acesso em 1 de julho de 2024.



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