Cláudio de Turim, Agobardo de Lyons e Teodulfo d'Orleans constituem os nomes mais célebres da oposição ocidental ao culto às imagens. A origem ibérica destes três bispos, todos exercendo ofício fora de sua terra natal, pode ser um indicativo pertinente do próprio alinhamento espanhol naquela época de controvérsia [i]. Mas, apesar do prospecto promissor, nenhuma atenção religiosa tem sido dada ao assunto e uma série de dificuldades têm reduzido o interesse acadêmico à poucas publicações.
Presumido estéril por conta da inexistência — ou não-sobrevivência — de tratados iconológicos regionais, a falha em perceber a riqueza de informações dadas indiretamente pelas fontes foi um antigo empeçilho para se ir além da mera constatação de que a península ibérica, por razões similares à Europa Transalpina, não recebeu a iconodulia grega. Além do óbvio interesse histórico, o aprofundamento da nossa compreensão sobre essas regionalidades mostra, para os iconodulas mais indispostos, a recorrência da tão negada sobrevivência de doutrinas e práticas antigas em períodos de popularização de novas.
A SIGNIFICÂNCIA DA ARQUITETURA VISIGÓTICA AO TEMA
Interior da capela de São Frutuoso, em Braga, Portugal. A estrutura teria sido construída pelo próprio Frutuoso (595-665), bispo de Braga e Dume, como seu local de sepultamento, sendo assim pertencente ao século VII. Apesar das mudanças no século X, durante a chamada "arquitetura de repovoamento", a capela preservou seu aniconismo; a estátua mais fundo, obviamente, é uma adição tardia.
Apesar do histórico de constante alteração decorativa e arquitetônica das igrejas e capelas da península ibérica, motivo pelo qual a iconografia tardo-medieval portuguesa foi — diferentemente da Europa Protestante — praticamente extinta [ii], uma coletânea de capelas e igrejas alto-medievais pré-românicas é notória pela preservação do seu estilo [iii]. Muito se fala da sua herança arquitetônica romana, das influências bizantinas e carolíngias, dos interiores colunados, dos seus arcos-de-ferradura e da alvenaria onipresente (cantaria) nessas estruturas; no entanto, negligencia-se o seu fator mais curioso e mais distintivo: são igrejas anicônicas, às dezenas, em um contexto onde elas não deveriam ser anicônicas.
Na opinião de Andrew Gould, fundador do Orthodox Arts Journal, o traço mais notável na arquitetura ibérica da Alta Idade Média vem do fato de que "o interior da igreja é íntimo, introvertido e misterioso, adequado ao ethos do culto ortodoxo" [1]. À parte das ressalvas que poderiam ser feitas à esta declaração, é mais interessante tratar do comentário de seu correligionário melquita, naquela publicação, que atingiu precisamente o ponto evitado: "O que é mais distintivamente ausente nas suas fotografias é talvez o 'elefante na sala': afrescos e imagens das vidas e atos do Nosso Senhor, de Nossa Senhora, dos santos e dos profetas do Velho Testamento. Existe uma tradição 'aniconista' na Espanha durante o primeiro milênio que não foi endereçada neste artigo" [2][iv][v].
Neste momento, talvez seja necessário dizer aos mais indispostos e ignorantes que a estátua barroca da Capela de São Frutuoso (Braga, Portugal); o ícone da Santíssima Trindade, encontrado no subsolo da igreja de São Girão (Nazaré, Portugal), datado dos séculos XV-XVI ; a estátua de S. Pedro com coroa tripla da igreja moçárabe de S. Pedro de Lourosa (Coimbra, Portugal), datado do século XV; assim como o ícone sacro mariano e as efigies funerárias da capela de São Pedro Balsemão (Lamego, Portugal), ambos do século XIV, são todos adições tardias. Talvez não tão óbvios quanto luzes elétricas, ventiladores ou cabos de internet que podem ser vistos ao visitar igrejas históricas, mas que ainda assim não podem ser tomados como daquele período, não exercendo qualquer poder de contestação, como de fato não exercem, na pesquisa acadêmica.
A RELAÇÃO DO CONCÍLIO DE ELVIRA COM A EVIDÊNCIA MATERIAL
Interior da capela de São Pedro de Balsemão, em Lamego, Portugal. A capela é considerada a estrutura religiosa mais antiga de Portugal, erguida nos séculos VII durante o governo do rei Sisebuto (612-621), enquadrando-se no gênero suevo-visigótico. A capela consta com relevos de cruzes anicônicas na alvenaria e de dois elementos do século XIV: o túmulo de D. Afonso Pires, bispo do Porto, e uma escultura de Nossa Senhora do Ó, em pedra de ançã.
O público mais conhecido ao debate teológico já está familiarizado com o famoso cânone 36 do concílio de Eliberis (305), cidade também conhecida pelo nome arabizado de Elvira, antecessora da atual Granada:
"Ordenamos que não haja pinturas na Igreja, de modo que aquele que é objeto de nossa adoração não será pintado nas paredes” [3].
A apologética romanista, desonesta como sempre tem sido, optou por várias formas de desqualificação desta evidência, ignorando que a alegação sucessora sempre contradizia a sua antecessora, revelando a inutilidade do seu apelo. Como abordamos em outras partes, a própria leitura do cânone é tão naturalmente contrária à Tradição Iconódula que, inicialmente, os romanistas afirmaram que o concílio inteiro era certamente uma falsificação herética. Quando descobriram que ele constava em vários manuscritos antigos, com aprovação papal e de clérigos notórios, o argumento mudou: na verdade o concílio era ortodoxo e este cânone só precisava ser "interpretado corretamente". Mais recentemente, quando a posição acadêmica confirmou que os protestantes de fato extraíram a leitura correta do cânone — aquilo que obviamente o texto diz e que tem paralelos com a posição de Agostinho, Origenes, Eusébio, Epifânio etc —, o negacionismo tornou-se tão evidente que a apologética popular simplesmente optou por afastar seus leitores de todo o histórico da discussão: afinal, no atual estado da questão, até os acadêmicos católicos deram o braço à torcer para o Protestantismo. Assegurar a ignorância dos fiéis tornou possível a criação de uma narrativa artificial de que os protestantes são burros e que eles, os confiáveis intérpretes, estão apenas esclarecendo algo óbvio; quando são confrontados com o status quaestionis, eles agem de forma previsível: ou se limitam a dizer que "a academia é anti-cristã" quando confirma o que o Protestantismo sempre disse há meio milênio, ou fazem apelos imperativos de que "a doutrina ainda não havia se desenvolvido".
Se ainda precisarmos martelar o último prego no caixão, podemos relembrar que o bispo ibérico Agobardo de Lyons, em seu tratado anti-iconódula, cita o cânone deste concílio ibérico e dá a mesma interpretação aniconista que os protestantes forneceram séculos depois [4]. É claro que contra isso os papistas não ousaram contestar, optando ao invés disso por acusar levianamente o Tratado de Agobardo de ser um pseudo-epígrafo falsificado pelo herege Cláudio de Turim, outro bispo ibérico — já que a autoria factual é prova consumada de um herege (formal) canonizado santo [vi].
Se o Concílio de Elvira constava na memória de eruditos hispânicos que escreviam no além-Pirineus, é razoável pensar que na própria península este desempenhava uma influência invulgar. De fato, esse sínodo é um marco "do chamado 'Aniconismo Hispânico' na historiografia espanhola moderna [5], mesmo que a própria historiografia ibérica praticamente desconheça o testemunho de Agobardo [vii]. O especialista em arte histórica ibérica, o Dr. Jesús Rodriguez Viejo, ainda nos diz:
"Os debates e subsequentes conclusões do Sínodo de Elvira (uma cidade próxima a atual Granada) no início do quarto século moldaram as abordagens da Igreja Hispânica mais tardia e das monarquias quanto à decorações figurativas em edifícios e da arte religiosa no geral. O cânone trinta e seis do sínodo proibiu o uso de imagens nas igrejas" [6][viii].
Esse tipo de aniconismo, presente consistentemente nas igrejas, também é visto com frequência nos manuscritos decorados: o mais notório sendo a Bíblia de Danila, do gênero vulgata latina, ricamente adornada com decoração conscientemente anicônica de cruzes, animais e padrões geométricos e arquitetônicos.
Folio da Bíblia de Danila com texto cruciforme e página tingida de azul, uma extravagante prática muçulmana importada para a Espanha Islâmica e, daí, provavelmente foi conhecida pela Igreja e aristocracia dos reinos cristãos. A bíblia, como constatou Jesús Viejo, bebe de estilos bizantino, franco-carolíngio e islâmico, temperados ao estilo aniconista peninsular (VIEJO, 2019, p. 386).
"O caso da Bíblia Danila nas Astúrias, mais de um século depois, é radicalmente diferente na medida em que o manuscrito representou muito provavelmente uma iniciativa direta do patrocínio real na capital e, portanto, os artifices estavam muito mais atentos às potenciais prerrogativas teológicas. É plausível conceber o aniconismo nas artes visuais do reino asturiano como herança em certa medida do mecenato régio visigótico, particularmente atento às posições e opiniões eclesiásticas." [7].
Alguns poderiam notar a existência de um número modesto de manuscritos, sejam bíblias ou comentários bíblicos, dotados de figuras humanas. Por serem obras de séculos posteriores, elaboradas fora deste "controle consciente e zeloso" da monarquia e alto clero, essas iluminaturas não contestam a cultura anicônica tratada aqui, pois como o próprio Dr. Viejo confirma, "a arte austuriana por volta do ano 800 foi quase exclusivamente anicônica" [8]. Também é necessário realçar que, estritamente falando, as nuances do próprio aniconismo e do cânone 36 — ambos não proibem representação pictória em livros, mas nos locais de culto — permitem, em um sentido adequado, a possibilidade de ortopraxia destes manuscritos posteriores [ix].
O TESTEMUNHO ESCRITO CRISTÃO E MUÇULMANO DO ANICONISMO IBÉRICO
Detalhe em estuco de decoração anicônica da igreja de São Gião, em Nazaré, Portugal.
"Deve-se notar que, sob Pascal, o iconoclasmo já não era mais uma heresia exclusivamente associada com Bizâncio. Ela se aproximou do coração do Catolicismo Ocidental. Nos últimos anos do reinado de Carlos Magno, que morreu em 814, e no início do reinado de Luís, o Pio, um número de figuras da corte carolingia simpatizava com várias formas de iconoclasmo. Estas incluíam Teodulfo de Orleães, reconhecido como o autor do Libri Carolini; Bento de Aniane, o reformador do monasticismo; o bispo Agobardo de Lyons; e o bispo Cláudio de Turim, que era abertamente iconoclasta. Todos eles vieram da Espanha Visigótica e provavelmente compartilhavam afinidades culturais e espirituais, embora não possa ser apurado se suas origens e proximidade com territórios islâmicos tinham algum papel na sua aversão à imagem figural" [9].
Ao passo que o testemunho escrito é virtualmente ignorado pelas pouquíssimas análises que tangenciam a questão, a sugestão de que a influência islâmica poderia explicar o aniconismo ibérico não é necessariamente nula. Ela segue a mesma fórmula aplicada aos casos nestoriano e armênio: ignora-se a história do Cristianismo Primitivo, os contra-casos contemporâneos de mesmo gênero, o fato da Sharia (lei islâmica) não regular o funcionamento interno do culto cristão e a questionável tese, incompreendida até por muçulmanos modernos, de que seus análogos medievais gostariam fazer o culto cristão menos idolátra ao invés de simplesmente converter os cristãos, conforme o interesse corânico comprovado na História.
Essa tese persiste em todas essas áreas por ser uma resposta fácil e sem ônus, além de atender os interesses de um número não-insignificante de autores iconódulas que marcam presença no campo; alguns até mais vocais que outros sobre o seu interesse em combater as "conclusões protestantes" da academia, como veremos em outro momento. No fim, simplesmente se ignora a obviedade de que alguma tradição eclesiástica pode simplesmente ter sido anicônica por preservação da Tradição Antiga, que era anicônica.
O aniconismo é visto nas igrejas que precedem e sucedem a Conquista Islâmica da Espanha, seja em território islâmico, seja em território cristão intocado pela Dar al-Islam. Historiadores ideológicos de baixa qualidade, ao tentar provar que uma brutal iconoclastia islâmica foi responsável por mudar uma suposta iconofilia ibérica para um aniconismo — porque este é notado até mesmo por eles —, não percebem que nenhuma das suas fontes primárias citadas faz qualquer referência ao uso de imagens pelos cristãos hispânicos.
"Historiadores islâmicos atestam o zelo iconoclasta dos primeiros governantes omíadas, como Abd-al-Rhaman I. De acordo com o historiador al-Razi, este líder era implacável contra os 'politeístas', como eram chamados os cristãos: 'Ele reuniria todos os corpos que os cristãos honram e chamam de santos [provavelmente uma referência a relíquias], e ele os queimava; e ele queimaria suas belas igrejas; e na Espanha havia muitas e magníficas igrejas, algumas construídas pelos gregos e outras pelos romanos. Vendo isso, os cristãos, quando podiam, pegavam suas coisas sagradas e fugiam para as montanhas.'" [10].
Dario Fernandez-Morera se encontrava tão ideologicamente bitolado que não percebeu que sua narrativa de iconoclastia não contém, justamente, a parte da iconoclastia: al-Razi, no século X, menciona que Abderramão I, no século VIII, queimava igrejas e relíquias. Imagens não são mencionadas no relato, mas isto não o impediu de continuar:
"A História da Espanha de Alfonso X resume a conquista muçulmana conforme descrita nas fontes cristãs medievais:
Os santuários foram destruídos; as igrejas foram derrubadas... Eles jogaram fora das igrejas as cruzes e os altares, os santos óleos e os livros, e as coisas que eram honradas pela cristandade, tudo foi espalhado e descartado... " [11]
"A História da Espanha de Afonso X (Primera crónica geral) também conta como os conquistadores muçulmanos mataram os homens, queimaram cidades, devastaram a terra, levaram mulheres jovens como escravas sexuais e saquearam os tesouros da igreja, fazendo com que os bispos fugissem com relíquias sacras cristãs. Outra história do século XIII, escrita por Rodrigo Jiménez de Rada, fala de como os muçulmanos queimaram cidades, cortaram árvores frutíferas, destruíram igrejas, consideraram a música sacra como blasfêmia e profanaram os cálices.” [12]
"Os relatos cristãos corroboram os [relatos] muçulmanos: assim as Crónicas Anônimas de Sahagún (século XII ou XIII) contam a destruição de uma capela e das suas relíquias de santos perto do rio Cea, durante as jihads” [13]
“Dificilmente poderia ser de outra forma, dadas as injunções da lei islâmica medieval. Assim, um tratado jurídico do influente jurista andaluz Ibn Rushd al-Jadd (m. 1126) faz com que Malik responda da seguinte forma a uma pergunta sobre o que fazer com as cruzes e os livros sagrados dos cristãos derrotados na jihad:
Pergunta: O que deve ser feito com os livros sagrados que se encontram dentro das igrejas do Rum [isto é, "romanos", um dos nomes genéricos que os muçulmanos deram aos cristãos] em terras inimigas? O que deve ser feito com suas cruzes de ouro e outros objetos encontrados?
Resposta: As cruzes [de ouro] devem ser quebradas antes de serem distribuídas [como espólio aos guerreiros muçulmanos], mas não se deve distribuí-las diretamente. Quanto aos seus livros sagrados, é preciso fazê-los desaparecer.
Em seu comentário sobre a resposta de Malik, Ibn Rushd al-Jadd esclarece que leu que os livros sagrados dos cristãos derrotados devem ser queimados para fazê-los "desaparecer" — a menos que alguém possa apagar seu conteúdo completamente para poder vender as páginas em branco, para obter lucro. Mas se não for possível vender essas páginas apagadas, elas devem ser queimadas." [14].
O autor conclui:
A arqueologia na Espanha corrobora toda essa evidência textual. Temos assim magníficos tesouros religiosos visigodos encontrados enterrados ao longo das rotas que vão do sul de Espanha para o Norte, confirmando o que nos dizem as fontes escritas sobre o medo e a fuga da população cristã ao saque muçulmano das igrejas. O que o reino dos visigodos encontrou era de fato um "inimigo letal e intransigente" [15].
Nenhum dos achados arqueológicos citados Morera contém imagens, mas cruzes vazias, um símbolo bem estimado pelos iconoclastas bizantinos, são onipresentes nestes achados. Na decoração de igrejas do nosso período, a cruz vazia também desempenha um papel de protagonismo. Na foto, cruzes do achado arqueológico de Torredonjimeno, do Museu Arqueológico da Catalunha, Espanha.
Incapaz de encontrar qualquer referência de destruição de imagens para o período de 700-1100 d.C. na Espanha, nosso estimado ideólogo teve que se contentar em citar o caso célebre da iconoclastia da Conquista Otomana de Constantinopla, de 1453!
Os conquistadores muçulmanos não destruíram as imagens dos cristãos ibéricos porque elas não existiam para serem destruídas. O que existia, como suas relíquias, cruzes e livros sagrados, eram prontamente destruídos ou saqueados. De forma semelhante, não eram imagens que fiéis e clérigos cristãos carregavam, mas relíquias, cruzes, cálices etc; porque, novamente, os cristãos ibéricos eram anicônicos e não tinham por tradição fazer tais imagens. O próprio conteúdo dos achados arqueológicos deste período que Fernandez-Morera provam isto: nunca são imagens, embora cruzes anicônicas sejam onipresentes.
As imagens, principalmente as imagens veneradas — iconodulia, se realmente precisou ser confirmado, não existia na Ibéria — constituíam a epítome dos objetos idolátricos cristãos. E é justamente por isso que podemos constatar a existência ou ascensão de iconofilia ou iconodulia através das disputas registradas entre cristãos e muçulmanos: "as imagens eram um assunto inevitável na polêmica muçulmana-cristã" [16].
Resta que os nossos oponentes tragam, pelo menos, alguma referência à imagens nos tratados anti-islâmicos dos cristãos moçárabes, que são fontes mais tardias; até lá, sequer podemos dizer que existiu iconofilia entre cristãos sob domínio islâmico: que subsistiu até a expulsão da comunidade moçárabe do Emirado de Granada, na década de 1240 [ix]. Nos reinos cristãos ao norte, a iconofilia e eventualmente a iconodulia seriam importados em algum momento nos séculos XI ou XII, tendo a imposição da Reforma Gregoriana na península, na década de 1080, como um potencial marco de incorporação [x].
Reconstrução gráfica do interior de uma igreja tardo-romana ou visigótica. A decoração pintada, apesar de rara no estilo peninsular, continua tradicionalmente anicônica. Obra da César Figueiredo Illustration.
A HIPÓTESE DO CONHECIMENTO DA ICONOMAQUIA BIZANTINA E DE UMA RESPOSTA IBÉRICA
Nem o Reino Visigótico e nem o Reino Asturiano eram entidades políticas isoladas. evidência suficiente tém sido aduzida pela historiografia da área das quais podemos citar a adoção arquitetônica estrangeira bizantina, carolíngia, síria e talvez até armênia; a amizade, a cooperação religiosa e a extensiva troca de correspondências entre Carlos Magno e Afonso II de Astúrias [xi], que vai ser de importância fundamental nesta sessão; e a presença de um número de bispos, abades e eruditos de origem espanhola na corte carolíngia.
Embora não existam manuscritos sobreviventes na península que comentem da controvérsia, o amontado de interação multinacional indica que, de fato, havia algum conhecimento do que se passava teologicamente tanto no Império Bizantino quanto no Império Franco. O patronato real de refinados manuscritos e templos anicônicos na mesma época dos desdobramentos ocidentais da Iconomaquia parece proposital. Na verdade, tal associação tem sido sugerida ou defendida na área de estudos ibéricos: levantou-se a ideia de uma militância aniconista ibérica como resposta à iconodulia bizantina, e, por mais contraditório que possa parecer, essa militância parece ter sido estimulada pelo próprio Carlos Magno; defende-se até mesmo que "é bem possível que delegados de Astúrias estivessem presentes numa sessão de releitura no Concílio de Frankfurt (794)" [17].
É relevante notar que Libri Carolini, adotado pelo Concílio de Frankfurt, apesar da pequena ajuda do anglo Alcuíno de Iorque, é uma obra escrita praticamente toda por Teodulfo, um hispânico. A recente descoberta de seu cripto-aniconismo [xii], vazado em algumas passagens Libri Carolini, nas suas bíblias anicônicas — muito similares ao estilo da também anicônica Bíblia de Danila — e na não tão intuitiva decoração de seu oratório em Germigny-des-Prés, tem sido usadas para reafirmar o aniconismo ibérico; embora, de acordo com Jerrilynn D. Dodds, a associação já estivesse reforçada na descoberta da sua autoria dos livros carolinos. [19]
Além de reforçarem os argumentos anti-iconodulas dos clérigos francos, a existência de um número não-insignificante de bispos ibéricos na Frância seria responsável, também, por produzir arte e arquitetura anicônica na Frância e Alemanha [xiii], embora a necessidade se adequar ao iconismo moderado da região tenha solicitado, em algum grau, uma adequação e omissão de suas posiçōes. Isto explica perfeitamente o porquê Cláudio nunca ter sido um problema até ser empossado como bispo na Itália, onde o culto às imagens inflamou uma reação que culminou na destruição das imagens e numa sistemática condenação contra tantas outras práticas que, para a realidade do século IX, também eram praticadas pelos francos. Talvez Cláudio tenha omitido suas posições, ou talvez a Corte as tolerava no nível de abertura em que elas eram opostas; na verdade, mesmo no ápice da controvérsia, o máximo que a corte franca e os prelados francos fizeram foi escrever contra suas posições e convocá-lo para comparecer a um concílio, o que ele recusou; Cláudio morreria bispo, sem que o Imperador — e curiosamente o próprio Papado, como tratamos em outra sessão — o depusesse.
A adequação ao clima teológico local é muito evidente em Agobardo, arcebispo de Lyons, que expôs muito timidamente suas posições sobre o assunto, focando a maior parte da sua obra à refutação da iconodulia. No caso de Teodulfo, responsável por representar todo o iconismo franco, qualquer traço de aniconismo precisaria ser bem sútil — pra não dizer dissimulado. É com Teodulfo, aliás, que tanto a teoria de inspiração islâmica quanto a de inspiração adocionista cai por terra: Teodulfo — assim como Agobardo — teria se retirado da península por causa da ocupação islâmica na sua região, e na época que a controvérsia adocionista surgira dentro da comunidade cristã andalusa, Teodulfo já estava há tempos integrado na Igreja Franca; e por sinal, já que o assunto foi mencionado, Cláudio também era um lealista carolingio e um opositor das hostes islâmicas, o que também afasta uma influência islamizante em suas posturas.
Como já dito anteriormente, a corte asturiana esteve envolvida em uma série de projetos anicônicos durante a Iconomaquia. Devemos obviamente citar a Basílica de San Julián de Los Prados, conhecida como Santullano, o maior e mais antigo templo asturiano pré-românico, como referêncial desse elaborado e custoso mecenato: "nada nessa escala, tema ou monumentalidade [...] pode ser encontrada na península ibérica, especialmente se alguém justapor o tamanho do programa e opulência com sua falta de imagens de qualquer tipo" [20].
Ainda sobre Santullano, Jerrilynn D. Dodds diz:
"As pinturas são isentas de figuras humanas. O único simbolo reconhecido é a cruz com jóias [...] O programa foi identificado pelo tardio Helmut Schlunk, corretamente acredito eu, como a Jerusalém Santa. [...] como uma representação da arquitetura da cidade celestial, similar à Santa Pudenziana em Roma, mas uma sem as imagens de Cristo e dos santos. " [21].
Interior da igreja de San Julián de los Prados, em Oviedo, antiga capital do reino de Astúrias. Construída no início do século IX, a catedral denuncia uma forte propaganda aniconista em tempos de controvérsia estrangeira.
O termo Gotorum Ordinem, dado pelas fontes do século IX às igrejas do período, provavelmente é um indicativo do estilo anicônico ibérico [22]. Mas, além dos "protestos mudos" das igrejas e manuscritos Gotorum Ordinem, ainda temos uma referência escrita mais militante: o testamento de 812 do rei Afonso II de Astúrias (759-842), o Casto [xiv].
O testamento tem sido notado pelas "agulhadas" aniconistas do rei Afonso, que se crê serem um ataque enluvado na posição iconódula, e tem estrita correlação com a arte manuscrita e arquitetônica produzida pelo mecenato asturiano, como nos conta o professor Isidro Bango Torviso:
"Ninguém pôde contestar comigo que a inspiração ideológica do programa pictórico de Santullano se encontra no célebre documento do ano 812, no qual Afonso II mostra os seus mais íntimos sentimentos espirituais e a sua cultivada formação monástica. O decorador de Santullano ilustra prontamente a ideia do Deus absconditus e dos palácios da Jerusalém celeste a que se refere o monarca asturiano neste documento. Para mim não há dúvida de que imagens e ideias devem ser incluídas na famosa tese do aniconismo hispânico que dom Manuel Gómez Moreno apontou no início deste século.
[...]
Quanto ao aniconismo do programa, parece-me que não se pode contestar que as ideias de Afonso II e seu ambiente clerical compartilham aspectos comuns com a atividade doutrinária e a atitude mantida com as artes figurativas por um grupo de clérigos carolíngios de indiscutível origem goda, os citados Teodulfo, Agobardo, Claudio, etc. Como indiquei antes, Gómez Moreno já havia assinalado em 1919 que tudo respondia ao mesmo princípio anicônico hispânico que teve sua origem no concílio de Elvira. [...] A ideia expressa por Afonso II de um Deus não-representável, no sentido mais estrito anicônico, já aparece perfeitamente definida nos concílios de Toledo. Consequentemente, acredito, após estas reflexões, que o edifício e a decoração de Santullano pertencem ao mundo das ideias, formas e técnicas da tradição hispânica" [23].
Podemos citar ainda Jerrilynn Denise Dodds reforçando a constatação:
"Bango Torviso faz uma leitura sensitiva do testamento de 812, que vincula este momento de sua carreira com a rejeição de imagens [...] Afonso endereça Deus como 'Deus oculto', 'Deus invisível' em outra cópia. Mais à frente ele chama o Deus 'que está em Jerusalém'; 'na Jerusalém Celestial', ecoa uma cópia posterior. A conflagração da noção de Jerusalém Celestial com 'Deus invisível', um conceito que parece conscientemente remover qualquer suspeita de antropoformismo, se espelha tão claramente no programa em Santullano com sua arquitetura triunfal, mas com panéis velados e uma cruz muda, que nós podemos ver neste momento histórico o poderoso envolvimento pessoal de Afonso II com os assuntos que aparecem na sua capela palatina" [24].
Podemos, assim, dizer com historiador Xabier Barral i Altet que o projeto anicônico de Santullano refletia "a mesma atitude que conduziu o iconoclasmo bizantino" [25].
MARGINÁLIA
Um desesperado apologista melquita certa vez afirmou que a afirmação do aniconismo nos primeiros séculos da Igreja era uma tese que corria o risco de ser contestada caso uma nova evidência arqueológica fosse descoberta. Isto é sabidamente falso e infundado: temos um testemunho escrito consistente e massivo em prol do aniconismo antigo que torna impossível uma reversão de parecer pelo lado altamente interpretativo, e discutivelmente subjetivo, volátil e feito às cegas, da arqueologia; mas, mesmo que não tivessemos nenhum testemunho escrito neste sentido, como é praticamente o caso da Igreja Nestoriana no Leste Asiático, a existência de alguns achados não significaria que a Igreja adotava a postura iconófila; sem a evidência escrita, qualitativa e não-qualitativa, restaria a suposição, a partir dos achados, de quão popular era a iconofilia — isto se essa iconofilia sequer qualificar iconismo — entre o povo leigo e mais especialmente o clero. A grande vantagem das fontes latinas e gregas, diferentemente das outras matrizes, é justamente a amplitude do espaço amostral de provas, que nos permite constatar o que certos aspectos é incerto para as igrejas medievais coptas, sírias etc. E mesmo assim, considerando que a própria academia considera como pouca a produção de arte religiosa não-anicônica dos cristãos pré-nicenos, a própria alegação iconódula não obteria a base que precisa: é justamente a pouca quantidade de arte antropomórfica do período que reforça nosso ponto.
Ora, ninguém realmente entendido da área duvida que, no contexto ibérico, descobrir uma nova igreja visigótica ou pré-românica é muitíssimo menos provável que encontrar quadros, anéis e pequenas estátuas. Mas mesmo que encontrassemos uma ou mesmo meia dúzia de igrejas do período com ícones contemporâneos, as muitas dezenas de igrejas com este repetitivo padrão anicônico em locais de domínio cristão e muçulmano, de antes, durante e depois da ocupação islâmica, amparados pelas fontes escritas cristãs e muçulmanas, e revigorada pelos tratados de bispos espanhóis nos século VIII e IX, constitui um parecer definitivo e irreversível de que os cristãos ibéricos alto-medievais eram aniconistas: igrejas que se possivelmente executar-se-iam desse padrão, visto numa míriade de exemplos, não contestam tal aniconismo; assim como arte religiosa antropomórfica muçulmana não contesta a seriedade da posição oficial maometana; ou o uso de imagens antropomórficas no mausoléu de Constância Augusta não contestam o Aniconismo da Igreja que foi lembrado à imperatriz recém-convertida por Eusébio de Cesaréia.
Mas, se para Eusébio temos uma Constância, o aniconismo ibérico também comporta a possibilidade lógica de que, numa península imensa, alguém pudesse quebrar ou flexibilizar a regra, seja inconscientemente ou seja conscientemente, por razões diferentes tais como relaxamento, relativismo ou arguição em prol de pequenas mudanças ou de justificativas vistas como válidas — como fez Paulino, bispo de Nola, ao justificar sua introdução de imagens como finalidade didática à um bispo visitante.
Temos de fato o que poderiamos chamar de "exceções", mas a evidência material recolhida, nem com muito esforço, contesta que a península ibérica era aniconista por excelência. Os edifícios rurais recolhidos são três: as igrejas de San Pedro de la Nave e San Miguel de Lillo, e o ermitério de Santa María em Quintanilla de las Viñas.
As imagens antropomórficas contidas em San Pedro de la Nave se resumem a miniaturas nos capitais — nome dado ao topo de uma coluna clássica, enquanto a parte inferior que toca o solo é chamada de base — representando o sacrifício de Isaque e de Daniel entre os leões, assim como de alguns apóstolos.
A igreja de San Miguel de Lillo contém miniaturas dos evangelistas nas bases de um par de colunas gêmeas, além um afresco secular de um músico arabizado tocando alaúde, cuja localização remota fez o detalhe passar despercebido por séculos até ser notado pelo já citado Helmut Schlunk, em 1947. O mais visível, contudo, é um par de jambas internas gêmeas da porta principal com figuras narrativas seculares: apesar de pouco intuitivas, as gravuras representam cenas seculares de jogos e festividades romanas.
"A cena central mostra um acrobata se exercitando com uma vara, acompanhado por um leão e um domador. O mesmo motivo se repete nos retângulos superior e inferior: um personagem principal, sentado em um trono e escoltado por dois assistentes, parece presidir o espetáculo segurando um cetro na mão esquerda e um mappa na mão direita. O mappa era um lenço contendo areia que, no mundo romano, era jogado no picadeiro para sinalizar o início das corridas.
[...]
O que é incomum é que, apesar de servirem de decoração para uma igreja cristã do início da Idade Média, eles exibem uma iconografia não-religiosa e inadequada, ambientada no mundo pagão dos ludi (jogos) romanos.
No entanto, este tipo de associação era comum nos templos palatinos de Bizâncio e foi imitado pela corte ramirense como forma de dignificar o seu prestígio político. Para tal, a monarquia asturiana procurou uma ligação com o mundo clássico, acolhendo de braços abertos a influência bizantina na sua cultura e arte. O professor Isidro Bango advertiu que os relevos de San Miguel de Lillo provavelmente representam o rei Ramiro I das Astúrias, apresentando-lhe os atributos de poder e funções de governo de um antigo cônsul.
[...]
Só um objetivo político desta importância toleraria a presença numa igreja cristã de uma imagem como esta um, com temática circense e pagã. Tal temática justifica-se também pela importância da tradição romana durante a Alta Idade Média, que manteve a popularidade dos ludi durante séculos e ainda sobreviveu desde as datas em que fizeram os relevos de San Miguel de Lillo. Esta sobrevivência do substrato romano não ocorreu apenas nas Astúrias, mas também em muitos outros lugares, como a Europa Carolíngia. E isso apesar da rejeição ao mundo dos jogos, do hipódromo e do teatro, recorrente entre intelectuais cristãos como Tertuliano, Santo Agustinho, São João Crisóstomo ou Santo Isidoro de Sevilla." [26].
O Ermitério de Santa María em Quintanilla de las Viñas contém, num arco triunfal que precede a entrada de uma área que parece ter servido de oratório ou capela, três blocos com representações antropomórficas, acompanhados de figuras aladas. Dois blocos se encontram deitados, nas bases laterais do arco, uma contém uma mulher representando o sol, a outra um homem representando a lua; ao topo, num tijolo vertical, um Cristo como um imperador em apoteóse — nome dado à religião romana quando um imperador pagão ascendia aos céus passava de mortal à divindade. Os estranhíssimos elementos, especialmente o sol e a lua em gêneros travestidos, têm posto dúvidas se o ermitério de fato era católico, podendo ter sido pagão, maniqueu, gnóstico ou ariano:
"Concretamente, a representação masculina do sol e a representação feminina da lua no arco triunfal, além das uvas e outros elementos, estariam ligadas a cultos maniqueístas ou gnósticos.
Outros autores descartam essa possibilidade. É verdade que o sol como divindade estava profundamente enraizado nas religiões pré-cristãs, razão pela qual o próprio cristianismo católico teve que desenvolver um processo de sincretismo para associar Cristo como o "Sol da justiça". O próprio Santo Isidoro de Sevilha associa alegoricamente o Sol como Cristo que ilumina a Igreja como se fosse a Lua" [27][xv].
Jambas da porta da igreja de San Miguel de Lillo.
Base de uma das colunas da igreja de San Miguel de Lillo.
Músico de alaúde na nave sul de San Miguel de Lillo.
Em todos esses três casos, porém, notamos não só uma superação numérica de decoração anicônica clássica, mas uma tentativa de tornar estas artes poucas artes antropomórficas em Marginália: similar às gárgulas e ao grotesco da arquitetura iconódula da Baixa Idade Média, com suas genitálias, masturbadores, copuladores e nádegas abertas nos detalhes mais ocultos ou secundários da estrutura; que, ao contrário do que comumente se diz, não estão apenas do lado externo das igrejas medievais e não tem sempre uma razão prática, ou até uma razão conhecida para existir [xvi].
As colunas de San Miguel de Lillo são demasiado altas e tornam seus capitais pouco visíveis ou convidativos à atenção cúltica. Na verdade, os capitais que ficam menos afastados da linha de atenção durante o culto, os do arco triunfal, no transepto da área onde se encontram a mesa de comunhão e o oficial celebrante, são curiosamente os únicos anicônicos, como que se denunciassem uma seleção proposital.
O trio de blocos do arco do ermitério de Santa María em Quintanilla de las Viñas, além de ficar do lado de fora do oratório, traz detalhes pequenos para os anjos e uma posição demasiado alta do Cristo no topo, sendo praticamente invisível até em fotografias mais amplas.
Todas as colunas de San Pedro de la Nave têm capitais completamente anicônicos, relegando ao par de bases com miniaturas dos evangelistas o desonroso lugar na base, tornando-as pouco visíveis e sujeitas à degradação e sujeira de sapatos e do chão.
Se estamos falando de uma tolerância à arte religiosa antropomórfica, na melhor das hipóteses, e de uma flexibilização do aniconismo ibérico, na pior delas, porque tanto esforço em marginalizar tal arte? As vanguardistas igrejas iconistas, como a Basílica de Félix, de Paulino de Nola, e o mural externo visto por Astério de Amasea, conscientes da sua quebra com a tradição anicônica, são ainda assim muitíssimo mais explícitas e centrais que o que vemos nestes três sítios. É como se os inovadores hispânicos estivessem conscientemente se restringindo na sua aplicação de arte figural, tratando como uma marginália, algo a ser visto como um Easter Egg, e não algo como uma razão prática ou teológica em qualquer sentido remoto.
Mesmo se os três recintos fossem abarrotados de ícones como vemos nas igrejas barrocas e melquitas pós-Niceia II, ainda assim elas não contestariam o aniconismo ibérico como prática estabelecida, oficial e numérica. E, no entanto, a situação real do pouco uso — e um uso acovardado — de arte antropomórfica na verdade é um indicativo bem do contrário: mesmo quando inovavam e se desviavam do padrão, os responsáveis por estes pontuais edifícios tinham um extremo cuidado em manter um conservadorismo que, se decidirmos não chamar de aniconista, se enquadra no mais fronteiriço iconismo já visto pelo homem. O Aniconismo Ibérico, então, tem sido suficientemente estabelecido.
Com Deus e armas vitoriosas,
Pedro Gaião.
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NOTAS:
[i] Se for necessário explicar, estamos usando "Espanha" como um termo geográfico que, históricamente, se referia à toda a península ibérica, incluíndo tanto os territórios continentais do atual Estado Espanhol quanto os do atual Estado Português. Após a União de Coroas de Isabel e Fernando (1479), e das anexações dos reinos de Granada (1492) e Navarra (1512-24), o Reino Unido de Galícia, Castela, Leão, Navarra, Aragão, Valência e de uma série outros reinos e principados passou a ser mais convencionalmente — e convenientemente — chamado de Espanha, ainda mais justificadamente com a anexação de Portugal (1580-1640), onde se viu a unificação de toda a península. Como o termo foi usado desde a Idade Média para se referir à península, estaremos nos utilizando dele durante todo o artigo.
[ii] Em Portugal, os afrescos das igrejas medievais eram destruídos para dar lugar à novos afrescos, barrocos, ao passo que estátuas e quadros eram geralmente substituídos por modelos mais novos. Ironicamente, o chamado iconoclasmo protestante — onde afrescos com imagens foram cobertos com cal — foi fundamental para a preservação da arte mural nos países mais ao norte da Europa, onde o clima úmido e frio tornavam-los mais propensos à degradação que seus equivalentes nos países ao sul, onde o protestantismo foi melhor suprimido. Apesar do favorecimento climático, a renovação iconográfica católica do Sul da Europa exigia a destruição de um legado artístico anterior e discutivelmente mais interessante.
É claro que a depredação histórica também teve seu papel, assim como o descaso — ainda persistente — das autoridade públicas portuguesas na preservação de seu patrimônio cultural histórico, mas não deixa de ser irônica a reversão da situação.
[iii] Os períodos arquitetônicos peninsulares, para a Alta Idade Média, começam no período visigótico (414-711) e se fragmentam em subgrupos: como o moçárabe, dos séculos VIII ao XI; o asturiano, do século VIII ao X; pré-ramirense (711-842); ramirense (842-850) e pós-ramirense (866-910). Ver: TURISMO PRERROMÁNICO. Conoce el arte prerrománico español. 5 de agosto de 2020. Disponível em: <https://www.turismo-prerromanico.es/conoce-el-arte-prerromanico-espanol/>. Acesso em 25 de janeiro de 2023.
[iv] O comentarista prossegue tentando refutar as consequências intuitivas da sua constatação, que obviamente depõem contra a Igreja Melquita. Por ser um assunto que será tratado e refutado durante o texto, e porque a curta defesa do comentarista desconhece as fontes e se trata de um simplório viés de confirmação, ela foi omitida sem qualquer prejuízo ao leitor.
[v] O comentário do sr. McAvoy seria muito certamente o máximo de informação que um pesquisador encontraria sobre o tema. O clima inicial aparentemente favorável à narrativa iconodula, o fato da pouca informação realmente útil se concentrar em material hispanófono pouco conhecido e a negação do desconhecido McAvoy será extremamente persuassiva à ideia de que nada de significante virá de maior esforço. Falo isso com propriedade porque este foi precisamente o que me fez abandonar tais estudos, no passado.
[vi] Situações como esta são exemplos repetitivos de como, na Apologética Papista, a burrice e o ridículo vem sempre de forma cíclica, como herpes, para reafirmar aos mais intransigentes a inconveniente verdade de que a narrativa dos seus religiosos não aduz qualquer autoridade. Isto, por si só, deveria reverter os conceitos dos romanistas de que num debate contra um protestante, eles devem ser considerados como no "terreno elevado", como se tivessem preferência ou magnetismo interpretativo na analise de evidência.
[vii] A historiografia espanhola tem uma integração precária com os reconhecidos estudos internacionais, incluíndo os estudos das iconomaquias bizantina e ocidental. É particularmente significante que, mesmo com este desconhecimento generalizado de Agobardo, e da sua interpretação do cânone, ainda assim se conclua que o concílio era conhecido na península e influenciou a arquitetura local. Também é particularmente notório que todos os que negam a influência de Elvira necessariamente desconhecem o que Agobardo disse sobre o concílio: evidenciando as consequências da indisposição espanhola em se integrar com os estudos internacionais.
[viii] Apesar do Dr. Viejo ser extremamente valioso na abordagem meticulosa deste manuscrito e por promover uma rara integração entre historiografia espanhola e a academia internacional anglófona, certas especulações sobre o estado deste aniconismo são um tanto erráticas: por exemplo, que o islamismo influenciou o aniconismo ibérico, desconhecendo uma ampla gama de fontes escritas e mais notoriamente de Agobardo ter citado cânone 36 de Elvira. Tais proposições são refutadas no decorrer deste artigo.
[ix] Ainda assim, manuscritos anicônicos, exemplares da posição erudita da Igreja Hispânica, tem mais direito de se chamarem ortopráticos neste sentido. Quer dizer, se é que deveríamos considerar essas bíblias como ortopráticas ao invés de fruto de liberdade criativa e do esquecimento iconológicos dos envolvidos.
Novamente, o grande problema dessas exceções em evidência artística é o carater altamente especulativo e pouco palpável do porquê elas foram feitas. Seriam "graus válidos" de aniconismo nos séculos X-XI ou estas exceções seriam desvios até menos recorrentes que os da iconografia religiosa islâmica e judaica? De desvios, por sinal, a península ibérica conhece muito bem: dos muçulmanos que fazem e consomem álcool de forma generalizada aos judeus que se casavam com não-judeus. O status da Bíblia de Danila indica o segundo caso.
Já foi falado o suficiente disto em outras partes, mas aqui convém citar: ninguém dúvida do aniconismo evangélico mesmo com bíblias ilustradas sendo vendidas às crianças — que por sinal tem a mesma faixa etária espiritual e intelectual de um iconódula. O aniconismo moderado não diz respeito ao uso de representações antropomórficas em livros, mas sim contra aquelas em templos e locais de culto.
[x] Moçárabe, ou arabizado, era o termo utilizado no período medieval para se referir aos cristãos ibéricos que viviam em domínio islâmico, vieram dele ou descendem daqueles que se enquadravam em algum destes casos. O curioso termo tem uma razão bem simples: após alguns séculos sob domínio muçulmano, a comunidade cristã acabou abraçando muito rapidamente a língua, os nomes, o vestuário e a cultura árabe, tornando-se distintos dos seus irmãos ao norte. A distinção justificou a crença de que eram cismáticos e davam razão para escravizá-los ou tratá-los como cidadãos de segunda classe. No Cerco de Lisboa (1147), o massacre indistinto de civis muçulmanos e cristãos locais promovidos pelos cruzados parece ser mais culpado da incapacidade católica de distinguir qual grupo desarmado deveria ser chacinado. O bispo moçárabe da cidade também foi assassinado.
[xi] Sobre Reforma Gregoriana
[xii] Carlos e Afonso eram amigos, assim como a interação mais explícita durante o esforço mútuo de combate ao Adocionismo, são reforçadas pela descrição entusiasmada de Agobardo de Lyons em sua viagem às Astúrias, como emissário carolíngio.
[xiii] Autores que confirmam o aniconismo de Teodulfo incluem, 1) a profa. Francesca Dell'Acqua (Iconophilia Politics, Religion, Preaching, and the Use of Images in Rome, c.680 - 880. Londres: Routledge, 2020), 2) Isidro G. Bango Torviso (De la arquitectura visigoda a la arquitectura asturiana los edificios Ovetenses en la tradición de Toledo y frente a Aquisgrán), 3) a madame May Vieillard-Troiekouroff (Les bibles de Theodulf et leur décor aniconique. Etudes Ligériennes d'histoire et d'archéologie médiévales, 1975, p. 345-360), 4) Elisabeth Dahlhaus-Berg (Nova antiquitas et antiqua novitas: typologische Exegese und isidorianisches Geschichtsbild bei Theodulf von Orléans. 1978), 5) Ann Freeman (Theodulf of Orleans and the Libri Carolini. Chicago: University of Chicago Press, 1957, vol. 34, n. 4, ), 6) Jerrilynn Denise Dodds (Architecture and Ideology in Early Medieval Spain), 7) Elena Khripkova (Representation of the image of the Lord in the mosaic of abbot Theodulf at Germigny-des-Prés. Moscou: Sententia, 2018).
[xiv]
[xv]
[xvi] Ainda assim a correlação não se completa: a Igreja (Lua) ainda é feminina, enquanto Cristo (Sol), seu esposo, ainda é masculino. É interessante notar que em nenhum lugar da arte ou literatura cristã os papéis são invertidos, o que é um indicativo bem forte da origem heterodoxa das gravuras.
[xvi]
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REFERÊNCIAS:
[1] GOULD, Andrew. The Ancient Churches of Spain. Orthodox Arts Journal, 27 de maio de 2013. Disponível em: <https://orthodoxartsjournal.org/the-ancient-churches-of-spain/>. Acesso em 6 de janeiro de 2023.
[2] Ibid.
[3] CÂNONES DO CONCÍLIO DE ELIBERIS
[4] AGOBARDO DE LYONS.
[5] VIEJO, Jesús Rodriguez. The Decoration of the Danila Bible: Aniconism as royal ideology in ninth-century
Iberia. Medievalismo, 29, p. 391.
[6] Ibid, p. 390
[7] Ibid, p. 391.
[8] Ibid, p. 389.
[9] DELL'ACQUA, Francesca. Iconophilia: Politics, Religion, Preaching, and the Use of Images in Rome, c.680 - 880. Londres: Routledge, 2020, p. 184
[10] FERNANDEZ-MORERA, Dario. The Myth of the Andalusian Paradise. p, 155.
[11] Ibid, p. 95-96
[12] Ibid, p. 80.
[13] Ibid, p. 81-82.
[14] Ibid, p. 82-83.
[15] Ibid, p. 83.
[16] LUCHITSKAYA, Svetlana I. Muslim-Christian polemics concerning images: visual tradition as the language of religion. Munique: 2006, p. 102.
[17] DODDS, Jerrilynn D. Architecture and Ideology in Early Medieval Spain. Pennsylvania: Penn State Press, 1990, p. 42
[18] Ibid, p.
[19] Ibid, p. 43.
[20] Ibid, p. 38.
[21] Ibid, p. 37.
[22]
[23] BANGO TORVISO, Isidro G. De la arquitectura visigoda a la arquitectura asturiana los edificios Ovetenses en la tradición de Toledo y frente a Aquisgrán, ed. FONTAINE, Jacques. PELLISTRANDI, Christine. L'Europe héritière de l'Espagne wisigothique. Nouvelle édition. Madri: Casa de Velázquez, 1992, p. 7/10.
[24] DODDS, Jerrilynn. Ibid, p. 45.
[25] BARRAL I ALTET, Xabier. La representación del Palacio en la pintura mural asturiana de la Alta Edad Media. Granada: España entre el Mediterráneo y el Atlántico: actas del XXIII Congreso Internacional de Historia del Arte (1973), Vol. 1, 1977, p. 293-301
[26] LLULL, Josué. Las Jambas de La Iglesia de San Miguel de Lillo. Arte e Iconografía, 22 de março de 2012. Disponível em: <https://www.arteiconografia.com/2012/03/las-jambas-de-la-iglesia-de-san-miguel.html>. Acesso em 26 de janeiro de 2023.
[27] ARTE GUÍAS. Ermita de Quintanilla de Las Viñas, Burgos. Disponível em: <https://m.arteguias.com/ermita/quintanilladelasvinas.htm>. Acesso em 29 de janeiro de 2023.
Pow Gaião, você podia se esforçar um pouquinho mais na diagramação do texto, está muito confuso.
ResponderExcluirO texto ta incompleto. Eu prefiro publicar e editar encima do texto já publicado porque, quando eu uso o modo rascunho, a página trava sempre que eu escrevo ou apago algo, e eu passo dias inteiros produzindo pouco por causa desse delay
ExcluirSe a iconodulia/idolatria dominou toda forma de cristianismo, então Deus falhou, pois o Espírito Santo guia a Igreja? Isso que eu não entendo sinceramente.
ResponderExcluirDominou durante um período de tempo.
ExcluirNope. Isso é condenar o cristianismo baseado numa interpretação particular sobre a Bíblia e o Cristianismo; isso, é claro, se a pessoa realmente tem a intenção de levar a sério o argumento e dizer que deveriamos ignorar uma fraude consumada porque ele vê a denominação dele como a Igreja.
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ExcluirOutra pergunta, qual a posição da bíblia e pais da igreja e a sua quanto ao simbolos profanos ( se nao me engano é esse o termo usado para a pomba como Espirito Santo, cruz, px e outros)?
ResponderExcluirExiste uma variedade simbolos. A maioria não comentou do assunto. Clemente de Alexandria defendia o uso de simbolos profanos aniconicos como "brasoes" e sinetes de aneis: ele menciona a ancora, o peixe etc
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