O Sacramento da Penitência como Expressão da Psicopatia Doutrinária do Papado

 
Embora seja melhor lembrado pelo seu trabalho em defesa do conservadorismo inglês, Gilbert Keith Chesterton também se ocupava bastante na defesa do Cristianismo, sendo amplamente conhecido pelo suporte literário que substanciou em prol da Igreja Romana após apostatar do Anglicanismo Ritualista, já apóstata por direito próprio.
 
Seu talento como escritor e romancista, mesmo para críticos e opositores, está além de qualquer contestação; esse dom, é claro, Chesterton coloca à serviço da própria religião, conseguindo até construir uma apresentação notória do Romanismo como algo não-vulgar. A análise do conteúdo apologético de Chesterton pode ser uma tema interessante e talvez até com alguma demanda, mas não é exatamente sobre isto que este texto se trata, ainda que o tangencie marginalmente. O propósito deste artigo, verdadeiramente, é a falência da propaganda chestertoniana com a própria evidência histórica produzida pelo próprio Romanismo. E embora Chesterton pudesse ser um bom retórico, ele de certo não se provou um bom teólogo. 


PENITÊNCIA E CONFISSÃO AURICULAR: DO ROMANTISMO IGNORANTE À REALIDADE CRUEL

 
Faz muito tempo que eu me lembro de ter lido uma resenha à respeito de uma das obras de Chesterton que narrava a história de um assassino que, após perder a memória, tornou-se profundamente religioso. Como um religioso romanista, ele observava diligentemente os preceitos desta fé, se confessando de seus pecados e recebendo como penitência, por determinação do sacerdote, o exercício da reflexão sobre aquilo que cometera. Até que um dia, tendo recuperado a memória, gerando um dilema quanto à sua culpa por algo que até então não se recordava. Curiosamente, ao confessar os seus pecados de homicídio, a penitência recebida era a mesma: algumas orações e reflexões.

Apesar de ser uma construção fantasiosa, a apresentação sutil desse Catolicismo Chestertoniano dificilmente não produz um magnetismo favorável à própria religião; o que não significa que é um magnetismo efetivo, de um tipo que necessariamente convence o leitor, mas definitivamente gera alguma admiração pelo rito religioso narrado e da religião que a executa. Chesterton poderia saber muito de retórica, mas era um péssimo historiador; na verdade, tanto ele quanto Belloc eram péssimos em área, embora Chesterton não fosse dado à dissimulação e à mentira como seu colega fazia de forma tão dedicada.

E é justamente no vácuo de conhecimento histórico do Chesterton que eu começo a trabalhar. Ter uma rotina extensa e quase eremítica de leitura de artigos e livros históricos, assim como material primário como cartas, documentos e obras de época proporciona a indivíduos com esta rotina uma potencial vantagem em termos de conhecimento. E por estar com esta vantagem, meus críticos papistas decidiram apelidar os resultados da minha pesquisa de uma forma bem especial: eu sou para eles um chimpanzé com uma metralhadora, um tipo de combinação de alta periculosidade.
 
Esse símio de Cristo, porém, vem descobrindo documentos e episódios que revelam que a penitência associada ao sacramento de confissão, tão relativizado e romantizado hoje, traz à tona não somente uma ignorância do poder perdoador Evangelho de Cristo, mas sua verdadeira perversão, que merece não menos que a alcunha de satanismo travestido de piedade.
 
É necessário checarmos a carta do Papa Inocêncio III (r. 1198-1216) para averiguarmos se a penitência histórica e real, aplicada pelo próprio Cabeça da Igreja no exercício do seu ministério sacrossanto das Chaves, é igual àquela descrita pelo conservador inglês:

"O portador desta carta, de nome de Robert, vindo à misericordiosa Santa Sé, em prantos confessou seu pecado, um grande e grave pecado de fato. Pois quando ele foi capturado pelos sarracenos com sua esposa e filha, uma ordem foi emitida pelo governante daquela terra, a quem eles chamam de Emir, onde, por conta da inanição causada pela fome prevalente, determinou-se que os cativos que tivessem crianças deveriam matá-las. Por força desta ordem, esse homem miserável (miser ipse), impelido pelas dores da fome, matou sua filha e a comeu. Quando outra ordem foi emitida, ele matou sua própria esposa, mas quando ela foi cozida e servida para ele, ele não teve coragem de comer sua carne.

Estamos perturbados com o horror de seu grande crime e impusemos a ele uma penitência para que ele nunca mais coma carne, não importa a necessidade que possa surgir... Ele deve jejuar à pão e água... Ele também deve caminhar pelo mundo sem sapatos e apenas com uma camisa... Ele nunca deve ficar mais de duas noites no mesmo lugar... Ele nunca deve se casar e nunca deve assistir a jogos públicos... Ele deve fazer isso como penitência por três anos.

Pope Inocêncio III, Registro, Carta 79 (8), quinto ano, 3 de setembro de 1202" [1].

Quando um sheik que conheço, a partir desta carta, perguntou se a minha religião era tão cruel assim (dado que o Islamismo, apesar de abominar canibalismo, entende a existência de cirscunstâncias desse gênero), eu tive de dizer que não: este tipo de coisa não tem nada haver com o Evangelho, mas só com a megalomania da seita romana e de seu líder heresiarca. 
 
E veja bem, muito embora eu não negue a existência de um erro em matar familiares mais fracos após ser forçado por um principado armado como medida de evitar a morte por inanição, eu dificilmente encontraria uma alma viva que concordaria que Deus exige isso de um pecador arrependido e em prantos; quer dizer, com exceção daqueles romanistas que estão cientes de que isso é uma execução da autoridade papal, da qual eles não podem criticar ou sequer julgar (Dictatus Papae, axioma 9).
 
Não só o Papa não tem o direito de aplicar medidas que restrinjam à atuação da Graça e do perdão daquele Deus misericordioso que jogou os nossos pecados no mar do esquecimento, como é ainda mais abusivo pelo pesado fardo aplicado por esse Anticristo. Verdadeiramente, a penitência romanista, representada por exemplares assim, se encaixa perfeitamente no farisaismo que Cristo reprovou:

"4. Eles atam fardos pesados e os colocam sobre os ombros dos homens. No entanto, eles próprios não se dispõem a levantar um só dedo para movê-los. 5 Tudo o que realizam tem como alvo serem observados pelas pessoas. Por isso, fazem seus filactérios bem largos e as franjas de suas vestes mais longas. 6 Amam o lugar de honra nos banquetes e os primeiros assentos nas sinagogas. [...] 13 Ai de vós, doutores da Lei e fariseus, hipócritas! Porque fechais o reino dos céus diante dos homens. Porquanto vós mesmos não entrais, nem tampouco deixais entrar os que estão a caminho! 14 Ai de vós, doutores da Lei e fariseus, hipócritas! Porque devorais as casas das viúvas e, para disfarçar, encenais longas orações. E, por isso, recebereis castigo ainda mais severo! 15 Ai de vós, doutores da Lei e fariseus, hipócritas! Porque viajais por mares e terras para fazer de alguém um prosélito. No entanto, uma vez convertido, o tornais duas vezes mais filho do inferno do que vós! 27 Ai de vós, doutores da Lei e fariseus, hipócritas! Porque sois parecidos aos túmulos caiados: com bela aparência por fora, mas por dentro estão cheios de ossos de mortos e toda espécie de imundície! 28 Assim também sois vós: exteriormente pareceis justos ao povo, mas vosso interior está repleto de falsidade e perversidade." (Mt 23:4-28)

 
 
 
"A Penitência de São João Crisóstomo", 1509, por Lucas Cranach o Velho, baseado em uma obra análoga de Dürer.
 
 
O outro exemplar vêm de uma história apócrifa, repudiada e ridicularizada por Lutero, mas abraçada pelo Romanismo como parte da sua Tradição e dentro do entendimento de ortodoxia da mesma: durante o período tardo medieval, surgiu a tradição mentirosa de que João Crisóstomo, quando ainda era um asceta no deserto, encontrou uma princesa imperial aterrorizada. O santo, crendo que ela fosse um demônio, a princípio se recusou a ajudá-la, mas a princesa o convenceu de que ela era cristã e seria devorada por feras se não tivesse permissão para entrar em sua caverna. Ele, portanto, a admitiu, dividindo cuidadosamente a caverna em duas partes, uma para cada um deles. Apesar dessas precauções, o pecado da fornicação foi cometido e, na tentativa de escondê-lo, o santo perturbado pegou a princesa e a empurrou de um precipício. Ele então foi a Roma para implorar a absolvição, que foi recusada. Percebendo a natureza terrível de seus crimes, Crisóstomo fez um voto de que nunca se levantaria do chão até que seus pecados fossem expiados, e por anos ele viveu como uma besta, rastejando de quatro e se alimentando de ervas e raízes selvagens. Posteriormente, a princesa reapareceu, viva e amamentando o bebê do santo, que milagrosamente declarou perdoados seus pecados. Esta última cena foi muito popular do final do século 15 em diante como um assunto para gravadores e artistas. 

Se não fosse o ceticismo bíblico da Reforma, que desprezava essas fantasias e absurdos da seita romana e da sua tradição, esta anedota seria tratada com tanta veracidade quanto qualquer lei científica ou religiosa. Mas ela têm um aspecto peculiar de que, embora Crisóstomo estivesse obviamente arrependido ao ponto de buscar redenção com o Papa, o Anticristo romano simplesmente recusou absolvê-lo, fazendo com que Crisóstomo impusesse uma auto-penitência, vivendo como um animal, como satisfação de um pecado que o próprio Cristo perdoou mediante o arrependimento do mesmo. 

Apesar de falso, o relato recebido pelos romanistas só mostra o quão absurda é a visão herética do Romanismo sobre a Doutrina Divina.

A visão de Chesterton sobre penitência, aquilo que deve ser feito pelo fiel para alcançar o perdão e satisfação dos seus pecados (apenas num nível espiritual, ele ainda precisa se esforçar para ser perdoado das consequências temporais do pecado que o farão queimar nas chamas purgatoriais por anos ou até séculos), é na verdade a visão resgatada pelo cardeal Lorenzo Valla (mais tarde perseguido por ser de uso conveniente à causa da Reforma) de metanoia, o termo grego cuja tradução errônea na Vulgata resultou na criação desse sistema de penitências infiel e que, apesar de envernizado nas últimas décadas, ainda retém sua inspiração maligna. 
 

Com Deus e armas vitoriosas,
Pedro Gaião.
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REFERÊNCIAS:

[1] LEGAL HISTORY RESOURCES. Cannibal Crusader. Disponível em: <http://legalhistorysources.com/ChurchHistory220/Lecture%20Four/CannibalCrusader.html?fbclid=IwAR1qJjIFdUzTaXhitp0UIcUoM9c8k1q6tZnjsaVyxBHb-iQFSgVa3xc9__o>. Acesso em 20 de agosto de 2021.


Comentários

  1. Bota na conta de Jesus pois foi ele que inventou isso, como sempre Jesus né? Basta ler João 20:23.

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    1. Foi Deus quem mandou uma pessoa que esta verdadeiramente arrependida do seu pecado de andar descalça vestindo saco, nao dormir duas vezes no mesmo lugar, viver a base de pao e agua e nunca comer carne apenas pra alcançar o perdão de uma das duas parcelas de punição do pecado? Isso é o Demiurgo Papista, não Deus.

      E não sei se você sabe interpretar texto, mas o texto diz: "Se perdoarem os pecados de alguém, estarão perdoados; se não os perdoarem, não estarão perdoados". E não "colocai condições para o perdão ser efetivado, e tudo o que vocês demandarem será perdoado.

      O perdão dos pecados pode ser ministrado por qualquer cristão e a sua confissão privada é uma invenção medieval irlandesa que só depois foi se espalhar pelo Ocidente. Você literalmente frauda a história e a bíblia.

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  2. Os cristãos católicos romanos entendem que João 20:23 fala da confissão auricular.

    Os católicos romanos interpretam da maneira que eles entendem, você interpreta sob uma ótica protestantista. É preciso entender que para os católicos romanos o padre é um servo de Cristo ordenado portanto um homem de Deus, logo é correto que um fiel faça a confissão a ele.

    Jesus falou isso para os apóstolos e não para uma multidão, e os católicos romanos creem na sucessão apostólica logo é muito coerente que sejam os presbíteros que façam isso.

    A confissão é essencial na vida do cristão pois os crentes pecam e devem se confessar pois se uma pessoa aceitou Jesus e peca,peca,peca e não se arrepende o pecado vai se acumulando e aí pode-se sim perder a salvação.

    Invenção medieval irlandesa? Ora se realmente foi isso então eles acertaram pois as palavras de Jesus na circunstância que foi dá a entender isso.

    Nunca vi escrito na Catecismo Católico Romano que o papa é um demiurgo, se algum católico romano durante a História entendeu assim é obvio que ele errou mas eu nunca vi um padre falar isso seja numa Santa Missa ou não.





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    1. 23:59 "entendem que fala de confissão auricular"

      00:00 "invenção medieval irlandesa? Ora se realmente foi isso então acertaram"

      Você acabou de admitir que a sua Igreja tinha uma interpretação e prática heterodoxa da confissão de pecados por séculos só pra não ter que admitir que errou ou imputar o erro em algum dos seus. Relativismo puro


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    2. Eu digitei em algum momento que sou cristão ou católico apostólico romano?

      Em João 23:59 a melhor interpretação é a confissão auricular e a interpretação protestantista é uma outra interpretação o que não significa que vocês estejam corretos.

      Se o espírito santo católico romano iluminou os católicos romanos muito tempo depois então ele mostrou uma interpretação mais próxima do que Jesus queria dizer e veja o espírito santo protestante ilumina um determinado número de protestantes a serem calvinistas e outros serem arminianos. O espírito santo agem assim com interpretações diferentes e repare logo o espírito santo dos cristãos que prezam tanto pela Verdade Absoluta. Quando você digitou relativismo puro lembrei do protestantismo que não tem unidade, mas talvez a culpa dessa falta de unidade teológica que lembra um relativismo não seja sua,nem de João Huss, nem de Lutero, nem do Lucas Banzoli e nem dos outros protestantistas mas do espírito santo protestante que habita em vocês.

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    3. kkkkk ou você está mentindo sobre não ser papista ou é uma piada com pernas. Ainda falando de relativismo sem dizer o que é, ou não mostrando o próprio rosto.

      Se a interpretação moderna do Papado está correta, mas ela não foi praticada pelos apóstolos, pelos primeiros cristãos ou por outros cristãos até a transição da Alta para a Baixa Idade Média Europa, então a interpretação não é correta e você caiu em uma contradição epistemológica.

      Nem sei porque eu te respondo ...

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  3. Relativismo no sentido que os protestantistas tem interpretações diferentes ou seja vocês não tem uma unidade teológica o que sem dúvida é um erro e o Cristianismo preza muito pela questão da Verdade Absoluta e pelo lógica teria que ter uma unidade de interpretações. Eu não lembro de eu ter escrito que eu sou cristão católico apostólico romano. Catolicismo Romano é uma das vertentes do Cristianismo.

    A melhor interpretação sobre a referida passagem é de confissão auricular e se os apóstolos não entendiam assim então eles se equivocaram. Provavelmente o espírito santo não agiu corretamente. O Lucas Banzoli não cre na imortalidade da alma e ele cre no aniquilacionismo proporcionalista será que para você ele segue a Cristo? Os apóstolos criam na mortalidade da alma e no aniquilacionismo proporcionalista? Se bem que analisando melhor um inferno eterno é ilógico.

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    1. Seu comentário inteiro é completamente contraditório: primeiro, a qual religião/denominação você pertence? Você se recusou sutilmente a responder, só que sem isso sua argumentação fica sem base alguma

      Se você acredita que os apóstolos erraram no sentido daquilo que eles mesmos escreveram, você não passa de um liberal pseudo-cristão ou um troll querendo 15 minutos de atenção.

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  4. Não me lembro de você ter perguntado a minha religião, o que aconteceu é que você pensou que eu sou cristão evangélico católico romano. sou agnóstico. Acredito sim que os apóstolos poderiam errar pois a melhor intepretação de São João 20:23 é a confissão auricular. Você se esqueceu de perguntar se eu quero aceitar Jesus como único e suficiente Salvador que é uma pergunta básica na sua religião.

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    1. Não tem como afirmar que os apostolos erarram na interpretação daquilo que eles mesmos escreveram, é tão absurdo quanto um agnostico vir se fantasiar de papista e vir em vários dos artigos do meu site querer bater boca. Sinceramente? Converta-se ou vá pro inferno, eu não tenho tempo pra joguinho de quem não assume os onus das posições que defende para se desresponsabilizar do onus de ser refutado.

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